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MÚSICA
Inezita Barroso perpetua caipira 'de raiz'
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Inezita Barroso, 73, faz sucesso
há 45 anos, desde que gravou a
"Moda da Pinga". Acaba de ganhar um Prêmio Sharp, como a
melhor cantora "regional" de 97.
Lançou, há poucos meses, o disco
"Caipira de Fato - Voz & Viola".
Apresenta, nas manhãs de domingo, pela TV Cultura, o programa "Viola, Minha Viola" -já
com 18 anos de idade-, dedicado
à música caipira "de raiz". Tem
um programa diário na rádio Cultura AM, que vai "das cinco às sete da madrugada".
Dá aulas de folclore em universidade. Correu o Brasil fazendo pesquisas sobre folclore ("tive todas
as doenças folclóricas -maleita,
tifo, amarelão"). Estudou piano e
foi convidada a cantar ópera. Nos
anos 50, foi atriz de cinema,
atuando em filmes da Vera Cruz.
Mesmo com tudo isso, Inezita
Barroso não é uma estrela.
Enclausurada no rótulo "caipira", ela deixou de se filiar à corte
da chamada MPB, o que a leva a
uma rotina discreta para os padrões do pop, ao qual, afinal, ela
-que se orgulha de ter sido a primeira artista a gravar o clássico
"Ronda" (no lado B de "Moda
da Pinga", em 53), de Paulo Vanzolini- também pertence.
O naco mais constante de tal rotina é a passagem quase diária pelo
restaurante Parreirinha, no centro
da São Paulo, onde nasceu -pois
é, ela não é interiorana.
No Parreirinha, onde tem mesa e
cadeira cativas, ela toma seu uísque, janta, encontra por acaso colegas de música e TV, recebe amigos e aguarda o assédio dos fãs. Lá,
também, recebeu a Folha para a
entrevista resumida a seguir.
Folha - Pode fazer uma pequena
retrospectiva da sua carreira?
Inezita - É que a retrospectiva
não é pequena, são 45 anos de carreira (ri). Já fiz tudo dentro da arte
musical. Perto de 70 discos, rádio,
desde 54, televisão -sou uma das
pioneiras, comecei em 54.
Sempre fiz muita pesquisa, continuo fazendo para meus programas. Você vai procurar cantores
caipiras que estão esquecidos, tem
que desentocar lá no interior, ficar
procurando por aí.
Mesmo entre as duplas caipiras
mais famosas, muitas nunca fizeram TV, com 40 anos de carreira.
Fizeram mais rádio, circo -que
era o ambiente desse estilo.
Quando encontramos uns desses, eles vão ao programa "Viola,
Minha Viola" e dizem: "É a primeira vez que estou cantando na
TV", ficam nervosos como principiantes. É muito gostoso fazer,
você sabe que o público é o pessoal
que entende. Quando não gostam,
se é um mais moderninho, não fazem nada, só não aplaudem. Nada
acintoso, um aplauso fraquinho,
sem fazer desaforo pro coitado.
Folha - Tendo nascido na capital,
você tem familiaridade de fato
com o universo caipira?
Inezita - Tenho, tenho, porque
meus tios-avós eram fazendeiros.
Nas férias o programa era passar
um mês na fazenda. Isso explica
meu amor pela música caipira.
Folha - Como era o convívio com
a música dos artistas da MPB?
Inezita - Eu recebia lindamente, porque música é música, ou
presta ou não presta. Ganhei um
radinho aos 6 anos, ouvia muito
essa gente, Dalva, Silvio Caldas,
Francisco Alves. Minha avó morava no Rio, então peguei também,
graças a Deus, todo aquele Carnaval antigo do Rio. Uma vez, entrei
num cassino sem poder, fantasiada, tinha uns 13 anos. Vi ao vivo
Carmen Miranda, Francisco Alves
e Grande Otelo, foi a glória.
Como você aprendeu a cantar?
Inezita - Acho que já nasci cantando. Era muito chata, uma
criancinha-prodígio, aprendi os
tangos com meus tios. Cantei muito em rádio e clubes aos 8, 10 anos.
Estudei piano, que era o fino, cheguei a ser preparada para ser uma
concertista. Mas não deu, né? O
coração estava grudado nas violas.
Mas profissional mesmo foi só
depois de casada, em 53, porque
era feio ser cantora de rádio. Minha carreira começou em Recife,
meu marido era de lá. Dei uns recitais a convite de Nelson Ferreira e
Capiba. Fui para fazer pesquisa,
não para cantar, mas gostaram.
Folha - Por que você continua
dando aulas?
Inezita - Sou formada em biblioteconomia, da primeira turma
da USP, nem conto o ano. Dou aula de folclore brasileiro nas Faculdades Capital, na Mooca. Acho
que está tudo ligado. É muito bom
estar em contato com jovens. O cara entra na aula sem saber nada,
não faz idéia do que é folclore. A
maioria só descobre quem sou eu
depois do terceiro mês.
(Paulinho da Viola entra no restaurante. Faz uma reverência a
Inezita para cumprimentá-la.)
Folha - Quem eram seus ídolos
quando você começou?
Inezita - Os quatro famosos:
Carlos Galhardo, Silvio Caldas,
Orlando Silva e Francisco Alves.
Das mulheres, Dalva de Oliveira,
Araci de Almeida. Compositores,
Noel Rosa, Ary Barroso. Tudo
gente desconhecida (ri).
Do mesmo jeito, na música caipira eu tinha Torres e Florêncio,
Cornélio Pires, João Pacífico, Vieira e Vieirinha, Cascatinha e Inhana, Tonico e Tinoco... Todos eram
ídolos, só tinham menos badalação que os cantores populares.
Folha - Como os artistas de MPB
tratavam os caipiras?
Inezita - Não tão mal. O negócio do mal mesmo veio depois,
quando dinheiro e mídia começaram a entrar na arte. Aí os cantores
populares foram endeusados. Dalva, Orlando, Silvio Caldas cantaram também canções regionais,
praticamente caipiras. Não faziam
essa distinção, que só veio depois
dos endeusados.
Folha - Quem eram esses?
Inezita - Foi a partir de 55, por
aí. Com a bossa nova, piorou. Só
eles sabiam tocar, o resto era cocô.
Debochavam do sambão popular
de negro, de morro. Bossa nova é
que era o certo. Foi exportada, mas
por que pegou lá fora? Porque era
mais fácil de tocar que o samba.
Claro que foi uma evolução da
música, mas não precisa dizer que
é melhor que o outro. Isso é o povo
que julga, não são eles. Quantos eu
vi subir e cair de cabeça... Mas há
outras coisas que acho piores. Por
exemplo, música de caubói. Agora tem até sertanejo gravando bossa nova.
Eles devem estar com raiva
(ri). Mas nesta altura devem estar velhos também.
Folha - Você se considera
uma grande cantora?
Inezita - Eu sou modesta. Acho-me uma boa cantora, mas não uma grande
cantora. Poderia ter sido,
tive convites para cantar
ópera, porque minha voz é
muito rara, é contralto
perfeito. A vida me levou
para o caipira toda vez, toda vez.
Folha - O que significou
para vocês a chegada do
tropicalismo?
Inezita - Música de
muito valor, letras boas,
gente boa. Mas as coisas
convivem, com existência
pacífica, não tem guerra.
Folha - Como você reage à coqueluche dessa música sertaneja
que você chama "de caubói"?
Inezita - Espero passar, porque
continuo na minha. Caipira de fato
não gosta, mas também não fala. É
como eu disse do auditório. Se
aparece um bonequinho todo enfeitado, a platéia não grita, não se
levanta. É imitação americana. Podem ganhar muito dinheiro, mas
para nós o que interessa é a arte. Se
quer dinheiro, abre uma butique.
É tudo, não só a música. É bonito
comer cachorro quente -me recuso a falar "hot dog"-, mas vai
oferecer uma linguiça com farinha, um prato de canjica. Não sabem nem o que é.
Folha - Como é seu cotidiano?
Inezita - Hoje, faço tudo, menos viver, né? (ri.) De manhã é rádio. Chego em casa, 20 recados na
secretária, celular desembestado.
Às vezes é ótimo, porque são
shows no interior. Trabalho sozinha, não tenho secretária nem nada. Aí vou me arrumar para dar
aula ou fazer o programa. Volto às
23h, o que vou achar? Só o Parreirinha mesmo. A turma está aqui,
gente de TV, de teatro, música.
Folha - A cantora da "Moda da
Pinga" toma pinga?
Inezita - Não, isso aqui é uísque. Pinga eu só tomo em último
caso, maravilhosa, destilada por
gente que conheço, de alambique
particular. Aí é bom. Uísque só tomo um ou dois por dia, conforme
o frio e a fome. Amo cerveja, tomo
até remédio para gota com cerveja.
Folha - Forma-se uma pequena
romaria ao seu redor aqui, não?
Inezita - Sabe por quê? Este restaurante é muito famoso no interior. O pessoal vem para São Paulo
e ouve dizer que estou aqui, que
Paulinho da Viola está, que Jamelão está. Aí vêm comer aqui para
experimentar o prato e conversar
com a gente, pedir um autógrafo.
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