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MARCELO COELHO
Mais escândalos, por favor
Tudo bem, é importante que se comece a pensar numa
"agenda positiva", com propostas
para a reforma política, por
exemplo, ou com a formulação de
uma estratégia radicalmente nova para a esquerda, dado o colapso moral, ideológico e político do
governo Lula e do PT.
Mas ainda é cedo, a meu ver,
para que isso ganhe contornos
concretos. Teremos de ir até o
fundo da crise do "mensalão" e de
todos os outros escândalos que
ainda mal começam. Seria muito
estranho se as irregularidades
deste governo -e de todos os outros que o antecederam- estivessem concentradas apenas nos
Correios, no IRB ou em Furnas.
Infelizmente -e torcendo, é
claro, para que a famosa governabilidade não suma pelo ralo-,
acho que o terremoto político terá
de ser muito mais intenso do que
tem sido até agora. No momento,
a maior parte dos agentes políticos ainda acredita que a crise seja
superada com algumas correções
pontuais, acertos de emergência e
punições circunscritas.
Quando o deputado Roberto
Jefferson faz suas acusações contra figuras específicas do governo
e da base aliada, ele deixa claro
que sabe muito mais do que está
dizendo e que tem munição contra um número muito maior de
parlamentares e governantes;
deixa claro, também, que todos os
parlamentares e governantes sabem tanto quanto ele, embora
não se disponham a dizer coisa
nenhuma.
Assistindo ao primeiro depoimento do petebista -o melhor de
todos, aquele no Conselho de Ética da Câmara-, minha impressão foi a de que todo o sistema de
representação política, e não apenas a frágil fachada ética do PT,
começava a ruir; mais do que isso,
pareceu-me que a única medida
satisfatória, no atual estado de
coisas, seria a renúncia, pronta e
simultânea, de todos os membros
do Legislativo e do Executivo nacionais.
Oposição e governo, acusadores
e acusados, todos se mostraram
suspeitos. Toda eleição se faz a peso de ouro, dependendo de campanhas publicitárias que se destinam exclusivamente a despolitizar, imbecilizar, sentimentalizar
a consciência do eleitor. Graças a
Duda Mendonça e aos talentos do
próprio Lula, o PT consagrou-se
como o campeão desse tipo de xaropada televisiva.
O custo altíssimo do marketing
é então repassado, como se vê diariamente nos jornais, para a administração pública, podendo, é
óbvio, beneficiar quem for esperto
no meio do caminho.
Em seguida, a procura desenfreada por uma "base de sustentação" -ou seja, uma instância
burocrática encarregada de
chancelar as medidas provisórias
e projetos do Executivo- torna o
processo parlamentar uma fonte
permanente de vampirização do
aparelho de Estado.
Feitas as contas, acho até que o
mensalão tinha a sua lógica. Mais
fácil e barato pagar mesada a
parlamentares de baixo coturno
do que atender aos desejos daqueles políticos e partidos ávidos
por "partilhar responsabilidades"
nos órgãos do governo.
Como fazer eleições sem toda a
parafernália técnica e emocional
criada pela cultura de massa? Como organizar um governo democrático sem toda a traquitanda fisiológica do atual sistema partidário?
Coisas como o voto facultativo,
a limitação do número de partidos na Câmara e no Senado, a
implantação de um mecanismo
de financiamento público das
campanhas eleitorais, podem sem
dúvida ter algum efeito, mas seria
preciso um grande surto de boa
vontade ou de medo para que os
interesses dos próprios políticos
saíssem prejudicados do processo.
A necessidade de renovação dos
personagens, dos partidos e do sistema ainda não foi colocada suficientemente na ordem do dia. E
nem sei se seria suficiente.
Escândalos de corrupção, com
renúncias de ministros, queda de
gabinetes, impeachment de presidentes, são atualmente a regra na
maioria dos países. O espetáculo
de governantes traindo em questão de dias todos os compromissos
eleitorais que tinham assumido é
ainda mais comum. É como se o
processo de admissão de um partido aos círculos decisórios exigisse de seus membros doses cavalares de cinismo, disponibilidades
financeiras colossais, e uma decidida vocação para o crime organizado.
A modificação desse quadro,
em benefício de uma política
mais democrática e mais republicana, não virá tão cedo. Desconheço que fórmulas mirabolantes
de cidadania pela internet, que
propostas anarco-cibernéticas de
fragmentação do Estado serão
tentadas no futuro.
Quanto à idéia de um partido
formado na militância sindical e
nas instâncias de auto-organização da sociedade, financiado graças à contribuição voluntária de
seus simpatizantes, disposto a
modificar os métodos tradicionais de gestão do Estado, confiante numa radicalização da democracia em todos os níveis, depositário de algum grau de coerência
ideológica e de compromisso com
a igualdade social -não é de
agora, com os vexames do mensalão, que o PT a abandonou.
Desde a campanha presidencial, pelo menos, os lampejos utópicos do passado cederam à "realpolitik". Foi uma opção consciente e amadurecida ao longo do
tempo. Importava trair tudo o
que o partido buscou ao longo de
sua história. É por isso, imagino,
que o PT e Lula tanto hesitam em
"cortar na própria carne": afastar
os Delúbios, desvincular-se dos
Marcos Valérios, romper com deputados do PP e do PL, talvez seja
isto, hoje em dia, o que lhes soe como uma verdadeira traição.
Por falar em afastamentos, estou
entrando em férias; volto na segunda semana de agosto.
@ - coelhofsp@uol.com.br
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