São Paulo, sexta-feira, 06 de agosto de 2004

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Cérebro eletrônico

Temporada de festivais coloca em evidência a cultura eletrônica que vai além das pistas

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

O start já foi pressionado. Com o Eletronika, que começou ontem e vai até domingo em Belo Horizonte, o Hype, que inicia na próxima quinta-feira em SP, a edição paulista do Sónar Sound, marcada para setembro, além de Tim Festival, Resfest e F.I.L.E., em novembro, tem início uma extensa temporada de festivais em que não só a música mas a cultura eletrônica ocupa o centro do debate.
Debate? Pois bem, para além da pista de dança -que também passa muito bem, obrigado-, todos esses eventos pretendem levantar questões sobre direitos autorais, sampling, autoria coletiva, novos formatos de distribuição, as relações entre a música e as artes visuais e, por que não, o papel político e social da eletrônica. A "cena" amadureceu.
"Já provamos que a música eletrônica é grande no Brasil, está na mídia, e os festivais atraem milhares de pessoas. É hora de usar isso como forma de expressão", afirma o DJ e jornalista Camilo Rocha, membro-fundador da associação Amigos da Música Eletrônica. Rocha é presença certa no debate Engajamento Eletrônico, que acontece hoje, às 17h, como parte do festival mineiro.
Paralelamente à sua função social, bandeira levantada há anos pelo hip hop, outra antiga discussão dos DJs, cuja matéria-prima não raro são as gravações feitas por outros artistas, voltou com força aos holofotes com a revolução digital. O que é de quem.
"A grande questão da música eletrônica hoje são os direitos autorais. Está mais fácil, barato e acessível produzir boas músicas com softwares gratuitos ou até piratas, na pior das hipóteses", afirma Jefferson Santos, um dos organizadores do Eletronika.
"O direito de autor é o mesmo para qualquer gênero musical, seja ele o eletrônico, o sertanejo, o axé ou a música clássica. O que deve ser pensado é que há um novo comportamento, tornado possível pelos adventos tecnológicos popularizados na última década, que ainda não foi absorvido pelo direito nem pela indústria fonográfica", esclarece Caio Mariano, advogado e autor da licença L.U.C.R., aplicada pelos pernambucanos do Re:Combo e Mombojó, que abre a possibilidade de outros retrabalharem suas faixas.
Politização, engajamento e direitos na música eletrônica. Passando a régua, resta o nó da distribuição, ou democratização, para usar o vocabulário mais militante. E, aí, não se fala em outra coisa atualmente que não "distribuição por celular" -não é à toa que operadoras de telefonia móvel e fabricantes de aparelhos estejam disputando o território a tapas.
O Sónar Sound São Paulo, que acontece entre 8 e 12 de setembro, terá uma mesa de debate específica sobre o tema, com nomes que vão desde o artista multimídia Golan Levin, "maestro" de um dos primeiros concertos de celular de que se tem notícia, até o VJ e mediador do debate, Spetto.
Aqui e em outras tantas subcamadas desses festivais, música e artes plásticas, pop e erudito, ruído e melodia se encontram, sob o filtro das novas tecnologias.
"Se o analógico já era interessante, no mundo digital, as possibilidades se multiplicam por mil", opina Ricardo Barreto, organizador do Festival Internacional de Linguagens Eletrônicas - F.I.L.E., que será realizado no final de novembro em São Paulo.
Numa variação mais radical sobre o mesmo tema -"a música eletrônica está em decadência; o que interessa é o que vai além"-, Barreto comenta que essa edição do festival multimídia dificilmente conseguiria ser enquadrada sob um só rótulo. "Estamos entrando num momento de transdisciplinaridade. E tanto a música como as artes plásticas recebem todo esse impacto, até deixarem de ser só música, até deixarem de ser só artes plásticas."
Marcos Boffa, curador do Eletronika e do Sónar, pondera: "Não existe uma única direção na música eletrônica. Uns vão para o lado da arte contemporânea, pensando a música como forma de intervenção estética sobre o mundo, mas outros continuam com a cabeça voltada só para a pista".


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