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"TODAS AS CORES DO AMOR"
Filme trata do "amor líqüido", mas evita angústia em prol de final feliz
DO CRÍTICO DA FOLHA
Num futuro não muito distante, alguém ainda vai publicar
uma tese a respeito dos tantos filmes desse começo de século que
falam da memória. Principalmente da memória afetiva e lembranças ligadas ao amor.
Só em 2004 (se não me falha a
memória) estrearam três: "Como
se Fosse a Primeira Vez" (de Peter
Segal, com Adam Sandler e Drew
Barrymore), "Efeito Borboleta"
(de Eric Bress, com Ashton Kutcher) e "Brilho Eterno de uma
Mente sem Lembranças" (de Michel Gondry, com Jim Carrey e
Kate Winslet). A eles, agora, junta-se a produção irlandesa "Todas
as Cores do Amor", escrita e dirigida por Liz Gill -que já foi assistente de Martin Scorsese.
O tema da memória, no caso,
não é tomado literalmente, mas
metaforicamente. A tese do peixe
de aquário (que serviu de base para a hilária Doris de "Procurando
Nemo") é evocada como metáfora perfeita para a atitude humana
diante do amor. Como tais peixes,
capazes de reter acontecimentos
por apenas três segundos, os seres
humanos vivem cada relação como se fosse a primeira. Quando o
que está em jogo é o desejo, não
há trauma ou aprendizado possível: estamos todos condenados à
repetição.
O roteiro, ao menos, não leva
essa metáfora tão a sério, apenas
brinca com ela. Lá pela metade da
história uma das personagens faz
uma pergunta óbvia ("Mas como
se testa a memória de um peixe?")
e derruba a ladainha pseudocientífica usada como cantada (sempre em combinação com um poema de Rilke) pelo professor de literatura e conquistador barato
Tom (Sean Campion).
Tom é um dos vários personagens de Dublin que o filme entrelaça com histórias de amor. Eles
refletem novos laços possíveis, sexualidades flutuantes, famílias
não-tradicionais e a incerteza de
sentimentos tão característica de
nossa época. É uma tentativa de
dar forma, de maneira simplificada, ao "amor líquido" descrito
por Zygmunt Bauman, que identificou com agucidade a angústia
desses tempos em que a solidez
das idéias e das relações se desmanchou no ar.
Mas Liz Gill, justamente, quer
fugir da angústia. Ela luta, o tempo todo, para reforçar a leveza,
mesmo dos conflitos mais pesados, perdendo muito em complexidade. "Todas as Cores do
Amor" não resolve bem o problema de refutar a negatividade sem
cair no banal. E, assim, um filme
que começa a se desenhar como
um charmoso retrato das relações
contemporâneas transforma-se
em uma história convencional,
em busca de um final feliz.
(PEDRO BUTCHER)
Todas as Cores do Amor
Goldfish Memory
Produção: Irlanda, 2003
Direção: Liz Gill
Com: Sean Campion, Flora Montgomery,
Stuart Graham
Quando: a partir de hoje no Cineclube
DirecTV, Lumière, Espaço Unibanco e
circuito
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