São Paulo, sexta-feira, 06 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"TODAS AS CORES DO AMOR"

Filme trata do "amor líqüido", mas evita angústia em prol de final feliz

DO CRÍTICO DA FOLHA

Num futuro não muito distante, alguém ainda vai publicar uma tese a respeito dos tantos filmes desse começo de século que falam da memória. Principalmente da memória afetiva e lembranças ligadas ao amor.
Só em 2004 (se não me falha a memória) estrearam três: "Como se Fosse a Primeira Vez" (de Peter Segal, com Adam Sandler e Drew Barrymore), "Efeito Borboleta" (de Eric Bress, com Ashton Kutcher) e "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" (de Michel Gondry, com Jim Carrey e Kate Winslet). A eles, agora, junta-se a produção irlandesa "Todas as Cores do Amor", escrita e dirigida por Liz Gill -que já foi assistente de Martin Scorsese.
O tema da memória, no caso, não é tomado literalmente, mas metaforicamente. A tese do peixe de aquário (que serviu de base para a hilária Doris de "Procurando Nemo") é evocada como metáfora perfeita para a atitude humana diante do amor. Como tais peixes, capazes de reter acontecimentos por apenas três segundos, os seres humanos vivem cada relação como se fosse a primeira. Quando o que está em jogo é o desejo, não há trauma ou aprendizado possível: estamos todos condenados à repetição.
O roteiro, ao menos, não leva essa metáfora tão a sério, apenas brinca com ela. Lá pela metade da história uma das personagens faz uma pergunta óbvia ("Mas como se testa a memória de um peixe?") e derruba a ladainha pseudocientífica usada como cantada (sempre em combinação com um poema de Rilke) pelo professor de literatura e conquistador barato Tom (Sean Campion).
Tom é um dos vários personagens de Dublin que o filme entrelaça com histórias de amor. Eles refletem novos laços possíveis, sexualidades flutuantes, famílias não-tradicionais e a incerteza de sentimentos tão característica de nossa época. É uma tentativa de dar forma, de maneira simplificada, ao "amor líquido" descrito por Zygmunt Bauman, que identificou com agucidade a angústia desses tempos em que a solidez das idéias e das relações se desmanchou no ar.
Mas Liz Gill, justamente, quer fugir da angústia. Ela luta, o tempo todo, para reforçar a leveza, mesmo dos conflitos mais pesados, perdendo muito em complexidade. "Todas as Cores do Amor" não resolve bem o problema de refutar a negatividade sem cair no banal. E, assim, um filme que começa a se desenhar como um charmoso retrato das relações contemporâneas transforma-se em uma história convencional, em busca de um final feliz.
(PEDRO BUTCHER)


Todas as Cores do Amor
Goldfish Memory
  
Produção: Irlanda, 2003
Direção: Liz Gill
Com: Sean Campion, Flora Montgomery, Stuart Graham
Quando: a partir de hoje no Cineclube DirecTV, Lumière, Espaço Unibanco e circuito



Texto Anterior: "Diário de uma Paixão": Beleza do filme está na habilidade de embalsamar imagens vividas
Próximo Texto: Erika Palomino
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.