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"DIÁRIO DE UMA PAIXÃO"
Beleza do filme está na habilidade de embalsamar imagens vividas
CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Diário de uma Paixão" é
um filme sobre imagens
embalsamadas. Mais do que isso,
manufaturado a partir de imagens embalsamadas. E o que é
embalsamar uma imagem? Pode
ser o exercício de um homem que
reconstrói oralmente e por meio
de registros todo um acervo de
imagens para uma mulher que sofre de Alzheimer.
É ao mesmo tempo, nas mãos
do cineasta, o exercício de, antes
de empalhá-lo ou colocá-lo em
conserva, exumar um gênero.
Com ele, sua textura, suas nervuras, sua seiva. Trabalhar uma imagem como se ela própria representasse a idéia de história vivida.
Do cinema vivido, por que não?
Sim, pois Nick Cassavetes está
no terreno do lembrar. E ele sabe
que não faz sentido tratar do
"lembrar" sem assumi-lo no ato
de fazer cinema, na rearquitetura
de um sistema de imagens e sons.
E aqui falamos da arquitetura de
um gênero específico, o melodrama, e de sua tradição, arquivada,
em um país - os EUA. Vamos
identificar o odor forte, quase azedado, do melodrama americano
das décadas de 1970 e 1980- filmes de chorar-, por exemplo,
embora o enredo situe-se entre a
atualidade e os anos 40.
Até pelo mestre maior no gênero, Douglas Sirk, Cassavetes se
contamina, ao transformar um lago, desenhado via exagero decorativo próximo do fantástico,
meio à la Sirk, em metáfora do
tempo. Item geográfico, tão vivo
em sua artificialidade, que observa e eterniza episódios vividos. As
tonalidades e o confronto com o
mundo que um e outro, Sirk e
Cassavetes, compram são diferentes, mas vale o olhar. E é bom
notar: Cassavetes não manipula o
"retrô" como grife, é bem mais
sutil e, assim, mais antiquado.
Alguns poderão apontar o filme
como um "Como se Fosse a Primeira Vez" da terceira idade. E
não seria errado, a tensão é a mesma: alguém terá de doar muito
tempo de sua vida para reconstituir, ou reformar, a memória
alheia, que será diluída rapidamente e terá de ser reconstruída
outra vez, e assim até o fim.
Mas que tal se pensássemos em
"O Filho da Noiva"? A comparação, em primeira leitura, é banal.
Os dois filmes se aproximam no
nível da memória como um quarto nebuloso. Só que se aproximam também no comentário nacionalista.
Em ambos, a figura da "mãe"
pode ser entendida como a representação de um país velho, da memória dourada. Apesar de cadáveres de guerra, do ódio racial ou
de governos sangrentos. Representa a imagem embalsamada de
seu lugar, a Argentina portenha
ou os EUA provincianos, em décadas longínquas.
Diário de uma Paixão
The Notebook
Produção: EUA, 2004
Direção: Nick Cassavetes
Com: Ryan Gosling, Rachel McAdams
Quando: a partir de hoje nos cines
Iguatemi, Paulista e circuito
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