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OUTRO LADO
Edição 2000 da Exposição Universal, realizada a cada oito anos, vai até outubro
'O importante era mostrar a diversidade'
Bia Lessa comenta os princípios que nortearam a criação do pavilhão brasileiro em Hannover
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DA REDAÇÃO
A maior queixa de Bia Lessa, em
relação à cobertura, refere-se à
falta de atenção dada ao que é
apresentado no pavilhão brasileiro da Expo 2000. A Exposição
Universal, que acontece a cada oito anos, vai até 31 de outubro, em
Hannover, na Alemanha.
Para a diretora, a discussão político-financeira escondeu o conteúdo da presença brasileira na
exposição. A seguir, ela trata do
pavilhão.
(NS)
Folha - Como se desenvolveu o
trabalho em Hannover?
Bia Lessa - O tema desta Exposição Universal foi "Homem, Tecnologia e Meio Ambiente". Pela
primeira vez, a Expo se propunha
a ser uma exposição cultural.
Diante dessa questão, nosso posicionamento era trabalhar dentro
do espaço das relações, explicitando a importância do ato humano, indivíduo e nação, diante
dos desafios do próximo milênio.
As previsões para os próximos 50
anos são impressionantes -dobrar o número de habitantes, o
aquecimento da terra, a conectividade e a diversidade.
Foram vários os caminhos
abordados para servir de alicerce
ao projeto e à reflexão sobre o futuro: o caminho geográfico, de
privilegiar os ecossistemas como
condutores da exposição de nossas riquezas, naturais e humanas,
e das questões referentes ao futuro da humanidade; o histórico, o
artístico, o político etc. Optamos
pelo científico, em que questões
como movimento, relação entre
eventos culturais e naturais, relações com o acaso, probabilidades,
são determinantes e grandes condutores da revolução do pensamento do século 20.
Folha - O que foi realizado, a partir da opção pelo científico?
Lessa - O pensamento científico
serviu de estímulo e base para o
desenvolvimento do trabalho. O
popular, o artístico, as ciências em
geral se encontrariam em todos os
espaços, de forma a frisar as relações e os pontos de encontro do
pensamento de diferentes áreas.
Afinal, tudo o que há no Universo
é formado por apenas três elementos que se organizam de forma criativa e diferenciada, desde
o tênis até o homem. Tudo está
em tudo.
O fundamental seria exacerbar
a relação entre as diferentes formas de conhecimento, reforçando o anseio por uma sociedade
mais justa do ponto de vista social
e humano, na qual diferenças
conservassem suas características, estabelecendo um diálogo
com as contradições. Elegemos
três palavras, a diversidade, a globalização e a miscigenação, com
as quais achamos que o Brasil podia se colocar.
Folha - Como essas três palavras
se refletiram no pavilhão?
Lessa - Quando vimos a maquete de outros projetos, quando fomos em outubro para Hannover,
ficamos impressionados. Muitos
países propunham muralhas. Como alguém, em 2000, ainda pode
imaginar que a salvação do planeta é a criação de muralhas? Tem
pavilhão com muralha e canhão.
Por outro lado, o lugar do Brasil
era dentro de uma área construída, um galpão. A Expo é dividida
em três grandes partes. Em uma
parte estão os pavilhões que foram construídos e ficarão para
sempre, como aconteceu com a
torre Eiffel, em Paris. Em outra estão os pavilhões feitos para serem
destruídos, caso do Japão, que é
todo feito de papel. Por fim, tem
os "anhembis", como eu chamo,
que são como o Anhembi e o RioCentro. Esse é o lugar do Brasil.
Num canto, isolado.
Folha - Como contornaram isso?
Lessa - Criamos 16 espaços, em
dois pavimentos, num total construído de 3.000 m2. Optamos por
apresentar um pavilhão sem um
trajeto único, onde o visitante pudesse criar seu próprio caminho,
escolher o que ver. Um pavilhão
que pudesse ser visitado durante
24 horas, que as imagens não se
repetiriam. E criando a idéia de
uma produção cultural, de uma
imensidão da natureza que não
está toda catalogada -a idéia de
que no Brasil ainda há muito a
descobrir. Não há ninguém que
conheça o Brasil todo.
Há uma sala com vídeos de fragmentos do pensamento de vários
brasileiros, sociólogos, músicos,
cientistas, pessoas anônimas etc.
Cada visitante tem contato com
alguns desses pensamentos. Cada
visitante vê um pavilhão diferente
do outro. Cada visitante tem acesso a um fragmento do Brasil, já
que não há possibilidade de uma
seleção dos melhores. O importante era mostrar a diversidade.
Folha - E a globalização?
Lessa - Quanto à globalização,
queríamos propor um diálogo
não apenas entre as nações, mas
também entre os homens, sem intermediários. O país se chama
Brasil, mas ele é feito de João, Giovanni, Hitoshi, Hans, Marias, Virgínias. Por isso, embaixo de cada
foto, de cada obra, de cada texto,
de cada música, há um e-mail, para que o visitante possa se comunicar. Tudo no espaço do Brasil
propõe o diálogo. E o que não está
exposto de forma explícita pode
ser consultado em computadores,
instalados numa das salas. O próprio nome do pavilhão é o endereço do site do Brasil.
A responsabilidade dos indivíduos, frente ao futuro, deveria estar presente de forma marcante e
foi a inspiração que levou a construir a fachada do pavilhão, feita
de 1,75 milhão de tarugos de madeira móveis. Cada pessoa pode
imprimir o seu corpo, escrever o
que quiser, até quebrar os tarugos, se assim o desejar. A fachada
se modifica constantemente,
nunca se repete, de acordo com o
desejo de cada um. É emocionante ver o pavilhão, a cada dia. Eu
gostaria de ter podido fotografá-lo diariamente.
Folha - Como foram erguidos os
outros espaços?
Lessa - Em todos os espaços,
criamos relações entre diferentes
formas de conhecimento. Obras
de arte se relacionando com obras
científicas, se relacionando com
obras populares, se relacionando
com a natureza e assim por diante. A mesma criatividade que produz o Carnaval produz o satélite.
Não criamos um mundo dividido
em classes, em categorias, mas
um pavilhão pensando no futuro.
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