São Paulo, quarta-feira, 06 de setembro de 2000

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OUTRO LADO
Edição 2000 da Exposição Universal, realizada a cada oito anos, vai até outubro
'O importante era mostrar a diversidade'


Bia Lessa comenta os princípios que nortearam a criação do pavilhão brasileiro em Hannover

DA REDAÇÃO

A maior queixa de Bia Lessa, em relação à cobertura, refere-se à falta de atenção dada ao que é apresentado no pavilhão brasileiro da Expo 2000. A Exposição Universal, que acontece a cada oito anos, vai até 31 de outubro, em Hannover, na Alemanha.
Para a diretora, a discussão político-financeira escondeu o conteúdo da presença brasileira na exposição. A seguir, ela trata do pavilhão. (NS)

Folha - Como se desenvolveu o trabalho em Hannover?
Bia Lessa -
O tema desta Exposição Universal foi "Homem, Tecnologia e Meio Ambiente". Pela primeira vez, a Expo se propunha a ser uma exposição cultural. Diante dessa questão, nosso posicionamento era trabalhar dentro do espaço das relações, explicitando a importância do ato humano, indivíduo e nação, diante dos desafios do próximo milênio. As previsões para os próximos 50 anos são impressionantes -dobrar o número de habitantes, o aquecimento da terra, a conectividade e a diversidade.
Foram vários os caminhos abordados para servir de alicerce ao projeto e à reflexão sobre o futuro: o caminho geográfico, de privilegiar os ecossistemas como condutores da exposição de nossas riquezas, naturais e humanas, e das questões referentes ao futuro da humanidade; o histórico, o artístico, o político etc. Optamos pelo científico, em que questões como movimento, relação entre eventos culturais e naturais, relações com o acaso, probabilidades, são determinantes e grandes condutores da revolução do pensamento do século 20.

Folha - O que foi realizado, a partir da opção pelo científico?
Lessa -
O pensamento científico serviu de estímulo e base para o desenvolvimento do trabalho. O popular, o artístico, as ciências em geral se encontrariam em todos os espaços, de forma a frisar as relações e os pontos de encontro do pensamento de diferentes áreas. Afinal, tudo o que há no Universo é formado por apenas três elementos que se organizam de forma criativa e diferenciada, desde o tênis até o homem. Tudo está em tudo.
O fundamental seria exacerbar a relação entre as diferentes formas de conhecimento, reforçando o anseio por uma sociedade mais justa do ponto de vista social e humano, na qual diferenças conservassem suas características, estabelecendo um diálogo com as contradições. Elegemos três palavras, a diversidade, a globalização e a miscigenação, com as quais achamos que o Brasil podia se colocar.

Folha - Como essas três palavras se refletiram no pavilhão?
Lessa -
Quando vimos a maquete de outros projetos, quando fomos em outubro para Hannover, ficamos impressionados. Muitos países propunham muralhas. Como alguém, em 2000, ainda pode imaginar que a salvação do planeta é a criação de muralhas? Tem pavilhão com muralha e canhão.
Por outro lado, o lugar do Brasil era dentro de uma área construída, um galpão. A Expo é dividida em três grandes partes. Em uma parte estão os pavilhões que foram construídos e ficarão para sempre, como aconteceu com a torre Eiffel, em Paris. Em outra estão os pavilhões feitos para serem destruídos, caso do Japão, que é todo feito de papel. Por fim, tem os "anhembis", como eu chamo, que são como o Anhembi e o RioCentro. Esse é o lugar do Brasil. Num canto, isolado.

Folha - Como contornaram isso?
Lessa -
Criamos 16 espaços, em dois pavimentos, num total construído de 3.000 m2. Optamos por apresentar um pavilhão sem um trajeto único, onde o visitante pudesse criar seu próprio caminho, escolher o que ver. Um pavilhão que pudesse ser visitado durante 24 horas, que as imagens não se repetiriam. E criando a idéia de uma produção cultural, de uma imensidão da natureza que não está toda catalogada -a idéia de que no Brasil ainda há muito a descobrir. Não há ninguém que conheça o Brasil todo.
Há uma sala com vídeos de fragmentos do pensamento de vários brasileiros, sociólogos, músicos, cientistas, pessoas anônimas etc. Cada visitante tem contato com alguns desses pensamentos. Cada visitante vê um pavilhão diferente do outro. Cada visitante tem acesso a um fragmento do Brasil, já que não há possibilidade de uma seleção dos melhores. O importante era mostrar a diversidade.

Folha - E a globalização?
Lessa -
Quanto à globalização, queríamos propor um diálogo não apenas entre as nações, mas também entre os homens, sem intermediários. O país se chama Brasil, mas ele é feito de João, Giovanni, Hitoshi, Hans, Marias, Virgínias. Por isso, embaixo de cada foto, de cada obra, de cada texto, de cada música, há um e-mail, para que o visitante possa se comunicar. Tudo no espaço do Brasil propõe o diálogo. E o que não está exposto de forma explícita pode ser consultado em computadores, instalados numa das salas. O próprio nome do pavilhão é o endereço do site do Brasil.
A responsabilidade dos indivíduos, frente ao futuro, deveria estar presente de forma marcante e foi a inspiração que levou a construir a fachada do pavilhão, feita de 1,75 milhão de tarugos de madeira móveis. Cada pessoa pode imprimir o seu corpo, escrever o que quiser, até quebrar os tarugos, se assim o desejar. A fachada se modifica constantemente, nunca se repete, de acordo com o desejo de cada um. É emocionante ver o pavilhão, a cada dia. Eu gostaria de ter podido fotografá-lo diariamente.

Folha - Como foram erguidos os outros espaços?
Lessa -
Em todos os espaços, criamos relações entre diferentes formas de conhecimento. Obras de arte se relacionando com obras científicas, se relacionando com obras populares, se relacionando com a natureza e assim por diante. A mesma criatividade que produz o Carnaval produz o satélite. Não criamos um mundo dividido em classes, em categorias, mas um pavilhão pensando no futuro.


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