São Paulo, sexta-feira, 06 de setembro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"HOUVE UMA VEZ DOIS VERÕES"

Comédia de roteiro sólido expõe adolescência

Furtado recorre ao clássico e dirige longa com segurança

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Houve uma Vez Dois Verões" é, de início, uma comédia sobre adolescência e sua preocupação principal, a iniciação sexual. Essa saga já rendeu do melhor ao pior, do sublime ao vulgar. Na categoria de sublime encontra-se "Houve uma Vez um Verão" (1971), de Robert Mulligan, e a referência ao título não parece gratuita.
Existem certas coincidências entre os dois filmes, como o papel desempenhado pela temporada na praia e o encontro com uma mulher mais velha. O essencial, contudo, repousa sobre a abordagem delicada desse momento da vida, comum a ambos os filmes.
No de Jorge Furtado, a iniciação sexual é quase imediata: Chico (André Arteche) conhece Roza (Ana Maria Mainieri) num fliperama, saem, transam. O personagem que dialoga com Chico é Juca (Pedro Furtado), que fica, naturalmente, com água na boca diante do êxito do amigo.
Começa aí um segundo estágio na existência de Chico, pois Roza some do mapa e só ressurge tempos depois, já em Porto Alegre (sim, o filme é gaúcho), com a terrível revelação: está grávida.
Daí por diante, o roteiro apresentará uma série de reviravoltas, todas elas tendo por centro a garota, cujas aparições e sumiços renovam cada vez o caráter ambíguo da personagem. Com isso, a questão de iniciação sexual de Chico, proposta no início, se transforma numa espécie de educação sentimental, pontuada pelas dúvidas que a garota sugere.
Será Roza uma vigarista, uma oportunista? Ela se apaixona por ele ou apenas se aproveita da ingenuidade do rapaz? Deixemos de lado o fato de que essa série de questões capta com felicidade a passagem da adolescência à idade adulta (na medida em que a dúvida sobre quem é a pessoa amada e seus sentimentos em relação a nós em geral acompanha o sujeito pela vida afora).
O essencial nesta estréia em longa-metragem é que Furtado parece empenhado em baixar as expectativas criadas por seu trabalho anterior no curta: trabalha apoiado em um roteiro sólido e busca como referencial o cinema clássico (o que o ajuda a criar boas "gags" ao longo do filme).
Qual o sentido dessa opção? Antes de mais nada, o filme trabalha como que em busca de um pouco de ordem na baderna estética do cinema brasileiro, onde se inventa a roda com regularidade. O recurso ao clássico parece apontar nessa direção, como a evitar passo maior que a perna.
O recurso ao clássico não se confunde, aqui, com academismo: se o filme interessa ao espectador, é, essencialmente, porque sabe trabalhar com frescor os personagens que cria, evitando se refugiar nas convenções sobre o que são e como agem os adolescentes. Dito isso, um tanto a mais de audácia na concepção dos planos não teria feito mal ao filme.


Houve uma Vez Dois Verões    
Produção: Brasil, 2001
Direção: Jorge Furtado
Com: André Arteche, Ana Maria Mainieri, Pedro Furtado
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes, Internacional Guarulhos e circuito



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