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FOTOGRAFIA
Profissional esloveno cego ganha mostra, inaugurando novo espaço no Itaú Cultural, e lança livro sobre Brasil
Evgen Bavcar revela atmosfera onírica
EDER CHIODETTO
EDITOR DE FOTOGRAFIA
O olho esquerdo perfurado por
um galho de árvore aos dez anos e
o direito lesionado pela explosão
de uma mina um ano depois cegaram o esloveno Evgen Bavcar,
56. Aos 16, ele tirou uma fotografia e pediu para que alguém lhe
contasse o que havia registrado.
Surgia assim um dublê de artista contemporâneo e filósofo do
olhar que pode ter suas imagens
vistas em "Contornos Sagrados",
no Itaú Cultural, em exposição
que marca o lançamento do livro
"Memória do Brasil".
"Olho uma cidade observando
como os outros a olham. Toda a
minha vida é preenchida de nostalgias", diz Bavcar num de seus
cinco textos que integram o livro
editado pela Cosac & Naify em
conjunto com o Centro Universitário Maria Antônia, da USP.
De fato, o processo criativo de
Bavcar é o que primeiro chama a
atenção. Partindo das palavras
que lhe são ditas por quem descreve a paisagem ou o objeto a ser
fotografado, ele busca no seu imaginário recordações infantis, cores e texturas correlatas.
Como antes de ficar cego ele não
havia saído de sua cidade, na prática, por mais que hoje ele viaje e
fotografe no exterior, é sempre de
sua aldeia que suas imagens estarão falando. De alguma forma
suas imagens também devem ser
entendidas como o resultado formal de uma associação de palavras, e não de imagens.
Numa das boas passagens do livro, Bavcar declara ser cego como
os astrônomos: "Eles apenas
olham de maneira indireta. O que
é que eles podem ver com seus
próprios olhos?".
Ressaltando a pequena extensão do olhar humano em relação
às máquinas, diz: "Todo mundo
se vale do olhar do outro, só que
em outros planos, sem se dar conta sempre. E como não se pode
nunca ver com os próprios olhos,
somos todos um pouco cegos.
Nós nos olhamos sempre com o
olhar do outro, mesmo que seja
aquele do espelho".
Organizado por Elida Tessler e
João Bandeira, "Memória do Brasil" funciona como um diário de
bordo das viagens que Bavcar fez
ao Brasil. O volume traz, além da
coletânea de textos, algumas séries de suas fotos feitas no Brasil
que pecam apenas por apresentar
um número reduzido de imagens.
Preferindo sempre fotografar
com luz noturna -"Prefiro a noite porque o parâmetro noite é seguro para mim. Posso controlar
melhor a luz"- com o recurso de
iluminar as cenas com lanternas
ou outras fontes, Bavcar costuma
depois de escolhida as imagens,
de acordo com o relato das pessoas, fazer interferências no momento da ampliação, reforçando
uma atmosfera de sonho (ou pesadelo) nas suas obras. "Se, às vezes, somos obrigados a observar o
mundo de olhos fechados, é sobretudo para conservar o caráter
frágil dos sonhos que nos levam
aos espelhos do invisível."
Em "Contornos Sagrados", que
inaugura um novo espaço expositivo para artes visuais no Itaú Cultural, podem ser vistas 30 imagens realizadas no Brasil que
mostram o encantamento do fotógrafo com as imagens sacras de
Ouro Preto (MG) e, sobretudo,
sua paixão pela mulher brasileira.
MEMÓRIA DO BRASIL - EVGEN
BAVCAR. Organização e textos: Elida
Tessler e João Bandeira. Formato:14 x 20
cm. Editora: Cosac & Naify. Quanto: R$ 39
(152 págs).
CONTORNOS SAGRADOS - EVGEN
BAVCAR. Mostra no Itaú Cultural (av.
Paulista, 149, SP, tel. 0/xx/11/3268-1700). Quando: de hoje a 12/10, de ter. a
sex., das 10h às 21h; sáb., dom. e
feriados, das 10h às 19h. Entrada franca.
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