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São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003

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"PROVÍNCIA DAS TREVAS"

Romance é o primeiro do autor

Daniel Arsand psicologiza a paisagem comum das epopéias

DA REPORTAGEM LOCAL

Ao contrário dos grandiosos cenários que ocupam as páginas das epopéias tradicionais, no romance "A Província das Trevas", do francês Daniel Arsand, 53, são os profundos painéis humanos que ilustram a longa viagem de uma caravana que parte da Armênia em 1289 em direção à China.
A descrição das várias cidades e aldeias pelas quais o grupo vai passando durante os anos de caminhada lembram apenas longinquamente a literatura de autores como Marco Polo. Neste "A Província das Trevas", as linhas das geografias e dos povos desconhecidos são sugeridas em meio aos conflitos amorosos e de interesses entre os personagens, que assumem o primeiro plano.
"Marco Polo foi um guia para escrever meu livro, mas não me fascinei por seu texto. Enquanto escrevia, procurei respirar um outro ar literário lendo ou relendo Gustave Flaubert, Virginia Woolf e dois autores contemporâneos que adoro: Susan Minot e Timithy Findley", escreveu Daniel Arsand, por e-mail, de Paris.
Se essas opções literárias do autor podem explicar seus personagens psicologicamente complexos, permitem entender o caráter contemporâneo da narrativa.
"À diferença das epopéias tradicionais, antigas, a minha é escrita sem inocência. Não transformei os ancestrais em fantasmas, eu povoei uma realidade com meus sonhos, meus medos e minhas alegrias de um homem de hoje", diz Arsand, que pesquisou durante um ano para seu romance.
Nesse espaço ficcional em que se cruzam uma nesga de forma antiga com o contemporâneo mais intrincado, as mercadorias servem apenas como um modo de sobrevivência para os anos de viagem. A mais importante riqueza é a arte de miniaturista e de iluminador do monge Vartan Ovanessian, destreza que poderia apresentar a beleza do cristianismo ao dominador mongol Kublai, encastelado em Pequim.
Para escoltar a caravana em nome do papa Nicolau 4º, o rei franciscano da Pequena Cilícia Hetum 2º escolheu um mercador de Veneza, chamado Vicente Montefoschi. A personalidade dura desse comerciante acostumado às longas travessias, logo vai se revelando oposta ao do delicado religioso, que só quer pintar.
O aparecimento do ladrão castrado Hovsep, que se junta ao grupo, passa a dar uma profundidade diferente à epopéia de Arsand. A partir do desenrolar das relações, amorosas ou não, de Hovsep com o religioso e Montefoschi, o leitor depara-se com uma sugestão de discussão sobre os mitos e as lendas.
"O que me interessou foi mostrar que inevitavelmente mitos e lendas que são inventados acabam por desaparecer, às vezes esquecidos, como as civilizações e os reinos. Tudo é promessa ou nada. Mas entre o nada de antes do nascimento e aquele de depois da morte há o terrível e excitante esplendor do mundo vivente."
Editor da francesa Phébus, Daniel Arsand estreou na literatura com este "A Província das Trevas" em 1998. Pelo livro recebeu o Prêmio Femina de melhor romance de estréia.
"Acredito que o sucesso deve-se ao fato de não ser uma história autobiográfica e sentimental, como normalmente são os livros de estréia. E também ao fato de que o estilo é clássico em pleno período de livros que são ou minimalistas ou dotados de um ritmo contemporâneo, sincopado, barulhento e violento."
Depois de "A Província das Trevas", Arsand já escreveu "En Silence" (Em Silêncio) e "Lily". "Ao escrever "En Silence" me dei conta de que podemos escrever uma epopéia que se passe dentro de um pequeno quarto. A imensidão do mundo e as profundezas que constituem todo ser pode ser explorada em todos os cantos, tanto no deserto de Gobi quanto numa pequena vila francesa."
(ROGÉRIO EDUARDO ALVES)


A PROVÍNCIA DAS TREVAS. Autor: Daniel Arsand. Editora: Record. Quanto: R$ 30 (240 págs.).


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