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"PROVÍNCIA DAS TREVAS"
Romance é o primeiro do autor
Daniel Arsand psicologiza a paisagem comum das epopéias
DA REPORTAGEM LOCAL
Ao contrário dos grandiosos cenários que ocupam as páginas das
epopéias tradicionais, no romance "A Província das Trevas", do
francês Daniel Arsand, 53, são os
profundos painéis humanos que
ilustram a longa viagem de uma
caravana que parte da Armênia
em 1289 em direção à China.
A descrição das várias cidades e
aldeias pelas quais o grupo vai
passando durante os anos de caminhada lembram apenas longinquamente a literatura de autores como Marco Polo. Neste "A
Província das Trevas", as linhas
das geografias e dos povos desconhecidos são sugeridas em meio
aos conflitos amorosos e de interesses entre os personagens, que
assumem o primeiro plano.
"Marco Polo foi um guia para
escrever meu livro, mas não me
fascinei por seu texto. Enquanto
escrevia, procurei respirar um outro ar literário lendo ou relendo
Gustave Flaubert, Virginia Woolf
e dois autores contemporâneos
que adoro: Susan Minot e Timithy
Findley", escreveu Daniel Arsand,
por e-mail, de Paris.
Se essas opções literárias do autor podem explicar seus personagens psicologicamente complexos, permitem entender o caráter
contemporâneo da narrativa.
"À diferença das epopéias tradicionais, antigas, a minha é escrita
sem inocência. Não transformei
os ancestrais em fantasmas, eu
povoei uma realidade com meus
sonhos, meus medos e minhas
alegrias de um homem de hoje",
diz Arsand, que pesquisou durante um ano para seu romance.
Nesse espaço ficcional em que
se cruzam uma nesga de forma
antiga com o contemporâneo
mais intrincado, as mercadorias
servem apenas como um modo
de sobrevivência para os anos de
viagem. A mais importante riqueza é a arte de miniaturista e de iluminador do monge Vartan Ovanessian, destreza que poderia
apresentar a beleza do cristianismo ao dominador mongol Kublai, encastelado em Pequim.
Para escoltar a caravana em nome do papa Nicolau 4º, o rei franciscano da Pequena Cilícia Hetum
2º escolheu um mercador de Veneza, chamado Vicente Montefoschi. A personalidade dura desse comerciante acostumado às
longas travessias, logo vai se revelando oposta ao do delicado religioso, que só quer pintar.
O aparecimento do ladrão castrado Hovsep, que se junta ao
grupo, passa a dar uma profundidade diferente à epopéia de Arsand. A partir do desenrolar das
relações, amorosas ou não, de
Hovsep com o religioso e Montefoschi, o leitor depara-se com
uma sugestão de discussão sobre
os mitos e as lendas.
"O que me interessou foi mostrar que inevitavelmente mitos e
lendas que são inventados acabam por desaparecer, às vezes esquecidos, como as civilizações e
os reinos. Tudo é promessa ou nada. Mas entre o nada de antes do
nascimento e aquele de depois da
morte há o terrível e excitante esplendor do mundo vivente."
Editor da francesa Phébus, Daniel Arsand estreou na literatura
com este "A Província das Trevas" em 1998. Pelo livro recebeu o
Prêmio Femina de melhor romance de estréia.
"Acredito que o sucesso deve-se
ao fato de não ser uma história
autobiográfica e sentimental, como normalmente são os livros de
estréia. E também ao fato de que o
estilo é clássico em pleno período
de livros que são ou minimalistas
ou dotados de um ritmo contemporâneo, sincopado, barulhento e
violento."
Depois de "A Província das Trevas", Arsand já escreveu "En Silence" (Em Silêncio) e "Lily". "Ao
escrever "En Silence" me dei conta
de que podemos escrever uma
epopéia que se passe dentro de
um pequeno quarto. A imensidão
do mundo e as profundezas que
constituem todo ser pode ser explorada em todos os cantos, tanto
no deserto de Gobi quanto numa
pequena vila francesa."
(ROGÉRIO EDUARDO ALVES)
A PROVÍNCIA DAS TREVAS. Autor:
Daniel Arsand. Editora: Record. Quanto:
R$ 30 (240 págs.).
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