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ARTIGO
Dupla becketiana é humilhada em humorístico
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Este é o mais inusitado dos encontros. E eu o devo a Arnaldo
Bloch, que me ligou no meio da
madrugada: "Vem para cá que
você vai se divertir". Divertir não
era bem o termo que eu teria empregado. Mas Arnaldo estava certo. No bar Antiquarius, no Rio,
Agildo Ribeiro e Lucio Mauro faziam a dupla mais estranha e estranhamente sombria, teatral, comédica, trágica, de fazer chorar de
rir, e de chorar.
Agildo é um dos meus heróis de
infância. Nada disso. Agildo Ribeiro é um dos meus heróis até
hoje. Vindo de uma família de comunistas (Barata Ribeiro...), lembro-me de criança dos seus olhares silenciosos para a câmera
-aqueles que desdizem a cena
inteira, como aqueles do John
Cleese do Monty Python, anos depois em "And Now for Something
Completely Different".
Agildo pegou isso de Nelson
Rodrigues, com quem conviveu
nos corredores da Globo e a quem
imita de forma inigualável. É uma
vergonha que esse gênio da comédia esteja reduzido a essa "Zorra
Total" que não é nada, ou melhor,
está abaixo disso, do nada.
Lucio Mauro, por outro lado,
uísque adentro, sentado atrás de
Agildo, às vezes concordava com
a cabeça, às vezes sim, às vezes
não. Quando se pronunciava, o
fazia com veemência. Mas eu não
sabia exatamente sobre o quê. E
eis que surgia aquele olhar do
Agildo de silenciar qualquer platéia. Ator que segura uma platéia
com os olhos tem poucos. É de
contar nos dedos. Falo mundialmente, e Agildo é um deles.
Por causa da incidência de luz,
eu só conseguia ver a metade da
cara de Lucio Mauro. Quando eu
conseguia ver a outra, percebi se
tratar da própria máscara teatral,
metade comédia, metade tragédia. Percebi, no ato, que aqueles
dois são a própria dupla beckettiana, sejam eles Hamm e Clov ou
Didi e Estragom. "Fim de Jogo"
estava bem ali na minha frente, no
meio do barulho da boemia carioca. Ou talvez fosse "Esperando
Godot", e (gulp) mais um uísque
abaixo, que estivesse ali, sem árvore seca nem nada, mas com
uma dupla maravilhosa relegada
a um tipo de comédia que -em
vez de entreter a platéia- humilha o ator.
E ficamos horas e horas, quase
até o amanhecer, trocando elogios. Quem sabe um dia não nos
encontremos no palco, dentro do
purgatório de Samuel Beckett,
que, sem dúvida nenhuma, é um
purgatório literário muito mais
digno do que esse que a Globo
lhes propõe.
Gerald Thomas é dramaturgo
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