São Paulo, quinta-feira, 06 de setembro de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Eram os deuses marxistas?

Ou seriam darwinistas? Ou freudianos? Grandes sistemas explicativos geram a tentação de tudo explicar

HOMERO Romulo Cristalli Frasnelli nasceu na Argentina, filho de imigrantes italianos, e ganhou alguma fama na juventude jogando futebol pelo Estudiantes de la Plata. Nos anos 30, tornou-se sapateiro e líder sindical, filiado ao Partido da Revolução Socialista, de tendência trotskista.
Conhecido como Juan Posadas, Frasnelli também ficou famoso por aplicar sua ciência marxista ao universo. Acreditava que o socialismo já amadurecera em outros planetas, propiciando a seus habitantes o domínio de uma tecnologia avançadíssima, só concebível numa etapa superior do desenvolvimento social.
Assim, os OVNIs, sobre os quais muitos falavam, seriam uma demonstração das maravilhas criadas pelo comunismo em sociedades siderais. Seus tripulantes, por certo socialistas, acabariam por auxiliar a implantação da sociedade sem classes também em nosso atrasado sistema solar.
Posadas é um exemplo delirante e caricatural da tentação marxista de tudo explicar por intermédio das leis universais do materialismo dialético histórico. Embora tenha procurado estender-se à natureza (em especial com Engels), o marxismo veio a se consagrar como "a" chave para desvendar os mistérios da organização social, da economia e do movimento histórico.
Marx é filho do mesmo mundo racionalista que trouxe à luz outros grandes sistemas explicativos, como a psicologia freudiana (a chave da mente) e o evolucionismo darwinista (a da natureza). E em todos eles o encantamento produzido pela descoberta de uma teoria que nos abre as portas dos segredos do mundo pode provocar alucinações. Ou, ao menos, a tentação de expandir seus fascinantes modelos de explicação para outros territórios.
Até recentemente, o marxismo e a psicanálise, em que pesem suas divergências e ênfases distintas no coletivo e no individual, propagaram a idéia de que o meio social e a mente praticamente "tudo" determinavam. Até muitas doenças graves seriam "fabricadas" por mecanismos mentais. E todos, mais ou menos, concordavam que as inclinações individuais derivavam sobretudo da experiência social a que se submetiam os indivíduos.
Mas a reação darwinista, impulsionada pelos avanços no campo da biologia e da genética, vai mudando o equilíbrio entre esses sistemas explicativos, numa era em que as promessas do socialismo fracassaram e o uso da química no tratamento de problemas psíquicos, antes visto quase como um crime, tornou-se amplamente aceito e difundido.
O sucesso de "Deus, um Delírio", de Richard Dawkins, que também aqui alcançou o topo da lista dos mais vendidos, é mais um sinal desses rearranjos. Não por acaso, muitas das objeções feitas ao livro mal tocam no projeto do autor de negar a existência de Deus e criticar as religiões, concentando-se em sua tentativa de encontrar soluções darwinistas para o surgimento da religiosidade. É um embate que ainda promete muitos novos lances -mas se há algum ramo que avança, ele parece ser o de Dawkins (cujo clássico, aliás, "O Gene Egoísta", é dos anos 70).


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