São Paulo, Segunda-feira, 06 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA
"Holy Smoke", novo filme da diretora Jane Campion, foi o maior anticlímax da 56ª edição do festival
Reuters
Da esq. para a dir., os atores Harvey Keitel e Kate Winslet e a diretora Jane Campion, de "Holy Smoke", em sessão de fotos em Veneza


Competição esfria festival de Veneza

AMIR LABAKI
enviado especial a Veneza

"Nenhum Escândalo" ("Pas de Scandale"), título de um dos concorrentes do último final de semana, resume a reversão de expectativas quanto à temperatura da 56ª edição do festival de cinema de Veneza, na Itália.
O maior anticlímax foi protagonizado pela diretora neozelandesa Jane Campion (de "O Piano").
Recém-saída do fiasco de sua anódina versão para "Retrato de uma Senhora", de Henry James, ei-la reafirmando a má fase com "Holy Smoke" ("Fumaça Santa", que não tem nada a ver com o ensaio de Cabrera Infante sobre charutos).
O motor dramático é sempre o mesmo: uma mulher aparentemente frágil se impõe frente ao inóspito mundo dominado pelos homens.
A moça em questão, agora, é Ruth (Kate Winslet, de "Titanic"), uma jovem australiana que abandona tudo em favor de uma seita ao viajar à Índia.
Resgatada provisoriamente pela mãe, a jovem é confrontada por um pretenso mestre norte-americano em salvar almas ocidentais de exóticos misticismos. P.J. Waters é seu nome, e Harvey Keitel (de "Pulp Fiction"), seu óbvio intérprete.
Em 15 minutos de filme, estabelecido esse quadro, Campion parece ter reconquistado o domínio dramático exibido em "O Piano". Doce ilusão. "Holy Smoke" logo desperdiça seu forte casal central.
A relação potencialmente romântica passa a receber um tratamento pretensamente cômico de resultados não menos que grotescos. Ruth e P.J. transam, claro, o que parece o bastante para Campion decretar que todos são iguais perante o sexo e desestruturar a seu bel prazer a composição dos personagens.
Tudo se torna inconvincente e esquemático. P.J. perde o eixo. Ruth o manipula. Sua família entra e sai de cena como egressa de um desenho animado. Uma imagem simboliza o descontrole do filme: Winslet calçando livros é perseguida por um Keitel vestido de mulher, enquanto se desgoverna um carro que ostenta chifres. É patético, sim, mas não exatamente como Campion planejara.

Cinema francês
Duplamente representado, tampouco o cinema francês cumpriu as expectativas. Um segredo central mantém-se irrevelado ao fim de seus dois concorrentes, "Une Liaison Pornographique" e "Pas de Scandale".
No primeiro, o mistério oculta a heterodoxa prática sexual que une um par de amantes anônimos. A pornografia resume-se ao título. Sexo é discutido, mas jamais mostrado.
Dirigido por Fréderic Fonteyne, "Une Liaison Pornographique" parece uma mistura diluída de "O Último Tango em Paris" e "Um Homem, uma Mulher".
Não chega muito longe, mas deixa-se ver sobretudo pelo desempenho do par central, vivido por Nathalie Baye ("Detetive") e Sergi Lopez ("Western").
Por sua vez, em "Pas de Scandale" o segredo repousa no motivo da breve prisão de um empresário (Fabrice Luchini), pesquisando as dificuldades de sua reinserção após a soltura.
Isabelle Huppert faz sua madura esposa e Vincent Lyndon interpreta o perturbado irmão dele. Benoit Jacquot dirige com a fluência e a superficialidade de sempre. Nada de novo, portanto.


O crítico Amir Labaki viajou a convite da direção do festival.


Texto Anterior: Mexicanos não vêm a SP
Próximo Texto: Preso a fórmula, Greenaway só faz auto-reverência
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.