da Reportagem Local

Poucos estilos musicais são tão melancólicos e passionais como o tango. E poucos cineastas são tão consistentes, líricos e comprometidos como Wong Kar-wai ("Amores Expressos"), vencedor do prêmio de direção em Cannes com "Felizes Juntos".
Tango e talento são apenas duas das extraordinárias combinações do sexto filme de Kar-wai , sobre a paixão entre Lai (Tony Leung) e Ho (Leslie Cheung), imigrantes de Hong Kong vivendo em Buenos Aires, Argentina.
Em termos geográficos, são cidades milimetricamente opostas, metáfora delicada para o desencontro da paixão, entre tantas outras. Como a política: o filme foi realizado meses antes do retorno de Hong Kong, colônia britânica, à China, em junho de 97. Perdidos do outro lado do mundo, Lai e Ho se sentiriam melhor em seu país?
A identidade pessoal, em "Felizes Juntos", é um desejo que passa simultaneamente pela política, de um modo implícito, e pela paixão, de um modo explícito. Mas nem tanto assim. O encontro real entre os personagens acontece na primeira sequência. Ponto. O filme invoca a nostalgia dele como motivação para os muitos desencontros que se seguem.
As imagens das cataratas do Iguaçu, no início e no final do filme, retratam o abismo latente da paixão, ninadas por Caetano Veloso e Astor Piazzola, respectivamente. A Buenos Aires de Kar-wai é simplesmente irresistível, o espelho da alma desses dois personagens perdidos numa realidade turva. É a câmera do cineasta e a fotografia esplêndida de seu parceiro, o australiano Chris Doyle, que explicitam esse reflexo.
O filme parte do preto-e-branco granulado, passa pelo amarelo e vermelho e termina no azul, um registro pictórico das emoções em movimento. Numa sequência, a memória da terra natal de Lao é representada por uma Buenos Aires de ponta-cabeça. Um estado comum entre apaixonados que querem, mas nem sempre podem, ser felizes juntos. (FG)

Avaliação:     

Filme: Felizes Juntos (Happy Together) Diretor: Wong Kar-wai Produção: Hong Kong, 1997, 97 min. Gênero: romance