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FERNANDO GABEIRA
O país queima nas chamas da mediocridade
Parte do Brasil está em chamas.
São mais de 4.000 focos de incêndio que aparecem a cada dia. O
cheiro da fumaça e o calor do fogo
talvez abram algum espaço para
esse tema. O bafo quente na nuca
sempre foi um excelente método
de pressão.
Lembro-me das queimadas de
Rondônia, ainda na década de
80. O fotógrafo Jorge Araujo e eu
percorríamos a estrada a cada
manhã, buscando novos focos e
denunciando o desastre ecológico.
Incêndios de repercussão internacional que acabaram fortalecendo o interesse brasileiro em receber a Conferência da ONU em 92.
Outro grande incêndio foi o de
Roraima que, mais uma vez, revelou como estamos despreparados
para isso, já que os argentinos nos
socorreram com sua frota de helicópteros. Entre esses incêndios
houve muito fogo que não chegou
aos jornais nem à TV. Lembro-me
do sufoco de uma noite quente em
Manaus. Não conseguia respirar e
desci, sinceramente, disposto a
buscar um balão de oxigênio. Resolvei dormir de janela aberta e,
no meio da noite, a fumaça envolveu o quarto, a cama e minhas
vias respiratórias.
Se você procura um cara como o
Malan e pede ajuda, o que ele vai
dizer? Vai dizer que o Brasil está
em dificuldades e que os gastos
nas campanhas de prevenção e
equipamentos para combater incêndios não são prioritários. É um
discurso sensato, cuja racionalidade ninguém contesta, inclusive
porque a mídia é prisioneira dessa lógica.
Quando examinamos o problema, nesse fim de inverno, vemos
que, na realidade, a ausência de
campanhas efetivas de prevenção
e de equipamentos modernos representam uma decisão perdulária, exatamente o oposto do que
pretendem os bem-pensantes.
Com a destruição da mata nativa
e o racionamento de energia que
o fogo está provocando, fato já registrado em Santa Catarina, acabaremos perdendo mais dinheiro
do que gastaríamos com as medidas preventivas, com a vantagem
de que teríamos ainda um patrimônio em forma de aviões, helicópteros e outros equipamentos
O incêndio de Roraima acabou
chamuscando o prestígio do governo. O então ministro do Meio
Ambiente, o simpático Gustavo
Krause, resolveu que não iria lá
para não ser pautado pela mídia.
Como dizia Guimarães Rosa:
quem muito evita, acaba convivendo. Krause entrou na mídia
por sua ausência.
Há um potencial de ajuda internacional, países querendo vender
equipamento, como é o caso do
Canadá, há uma necessidade de
tomada de decisões, mas as coisas
se arrastam nessa mediocridade
que é a rotina dos governos. Vivemos de espasmos. Hoje, com o incêndio, nos movemos um pouco;
amanhã, quando começar a chover, vamos discutir as enchentes, e
assim por diante.
No auge dos incêndios em Mato
Grosso do Sul, surgiu uma pesquisa indicando que os bichos estão
morrendo em maior quantidade
na estrada que liga Campo Grande a Corumbá. Os dados, meio
precários, indicam um aumento
de 30% nas mortes por atropelamento. Só a mídia estrangeira se
comoveu com essas cifras.
A estrada percorre santuários
ecológicos, não há sinais indicando a presença de animais nem
campanhas educativas e, além
disso, há o fogo devorando a pastagem e as árvores. Os bichos devem estar acossados a sair, a cruzar o asfalto. E como os motoristas não foram preparados para
sua súbita aparição, o resultado é
um massacre silencioso e cotidiano.
Assim, num encontro realizado
no último fim-de-semana, concluímos que o processo de desertificação também é uma realidade
em movimento, assumindo proporções catastróficas em certos
pontos, como no sul do Piauí e no
sertão de Irauçuba, no Ceará.
Não é novidade para ninguém o
fato de que, como indivíduos,
morremos todo dia um pouquinho. Mas o processo por meio do
qual o país se deixa destruir é algo
difícil de entender. A ponto de, às
vezes, pensar em abandonar essas
jeremiadas, esses sermões ecologicamente corretos, e deixar que ele
se destrua em paz. Embora chamas, desertos e bichos massacrados na estrada sejam uma bizarra
visão de paz.
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