São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2000

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SHOW
Autor da segunda geração da bossa faz shows em SP com cantora, compõe com Chico e negocia CD com Dori Caymmi
Edu Lobo volta nos braços de Gal Costa

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

São Paulo abriga, hoje e amanhã, um encontro histórico para a sagrada MPB. Pela primeira vez, se encontram num só show um dos mais importantes músicos da segunda geração da bossa nova, Edu Lobo, 57, e a principal cantora tropicalista, Gal Costa, 55.
A promessa é que, juntos, dividam canções da bossa engajada de Edu, como "Pra Dizer Adeus" (66), "Canto Triste" (67) e "Candeias" (67), entre outras.
Respeitadas as convenções de cada subgrupo, Gal tem estado bem mais presente a olhos e ouvidos públicos. A Folha foi até a casa do carioca Edu, para ouvir o lado menos falante. Lá, o co-autor de "Upa, Neguinho" (65), "Arrastão" (65) e "Ponteio" (67) falou sobre sua história e sobre projetos de retomada da parceria musical/teatral com Chico Buarque e de um CD com Dori Caymmi.

Folha - Seu pai, Fernando Lobo, foi compositor de dor-de-cotovelo, desses que a bossa nova dizia negar. Você também o negou?
Edu -
Não estava consciente disso. João Gilberto foi um susto, todo mundo se lembra exatamente da primeira vez que ouviu. Mas também tentei escapulir do formato bossa nova, indo procurar outras fontes, da minha própria história, do pai pernambucano. Fiz frevo, baião, mas a partir do aprendizado da bossa. Buscávamos uma identidade. Esse nome canção de protesto é tão ruim, essa história de Bob Dylan brasileiro. Sou músico, nem fazia letra. O protesto de Dylan e Joan Baez privilegiava a letra, não a música. Ouvi muito compositor de protesto chatérrimo de doer, de letra importante e música muito ruim.

Folha - Qual foi a importância dos festivais para sua história?
Edu -
Esse ambiente já existia em São Paulo, havia uma ligação com as canções políticas, a participação estudantil, um nível cultural bastante diferente do de hoje. Festival era a festa de final de ano de uma TV que estava investindo em música para valer. É quase inacreditável, mas todos éramos contratados pela Record, assalariados. Éramos tipo atores da novela, não dava muito para sair na rua.

Folha - Você era um pop star?
Edu -
Não fui um pop star. Não cheguei a isso. Não tive vendagens fantásticas, não fiz carreira de cantor. Pop star foi Roberto Carlos. Em 69, fui para Los Angeles porque queria estudar orquestração. Me incomodava não saber a gramática musical, não ler partitura. É mais fácil ler música do que ler texto. Aumenta o prazer, a sensibilidade para a música.

Folha - A tropicália ajudou a fechar as partituras?
Edu -
Às vezes sou colocado como o grande opositor da tropicália, mas não é verdade. Apenas não concordava com todas as coisas. Achava interessantes os novos arranjos, mas o que mais me incomodou foi um gosto que tinha de ser obrigatoriamente variado, a "geléia geral". Estava sinceramente bem mais interessado no grupo mineiro. Fomos colocados como a turma careta, que usava smoking, não digo de direita, mas conservadora.

Folha - Você é conservador?
Edu -
Acho que em nenhum momento fui um músico conservador. Essa coisa se confunde muito mais com atitude do que com o que se faz em música, que é o que importa. Não consigo gostar de tudo, tenho minhas escolhas. Escolhas de atitude provocam rebuliço. Você só vai me ouvir dizer que acho Julio Iglesias o cara ideal para cantar minhas músicas se eu estiver surtando ou querendo dar uma declaração bombástica.

Folha - Apesar da afinidade com Chico, vocês demoraram a se tornar parceiros. Por quê?
Edu -
Fiz os arranjos de "Calabar" (73), e a partir daí a gente foi convivendo, virando amigo. Quando começaram as idéias de fazer trilha para balé pensei nele, porque acompanhava seu trabalho em teatro. Isso vem até hoje, estamos retomando com uma idéia que partiu de um grupo que queria que fizéssemos um musical sobre os 500 anos do Brasil. Nosso interesse nisso era zero. Aí falaram que podia ser o que quiséssemos. Foi surgindo o projeto "Sonhos", que não pegou fogo ainda. Estamos fazendo, há quatro canções prontas até agora.

Folha - Querer ser compositor o afastou dos palcos?
Edu -
Não sou um artista de palco. Hoje tenho uma tranquilidade no palco que nunca tive, mas queria priorizar a coisa do compositor mesmo, não gostava de ser chamado de "o cantor Edu Lobo". O show com Gal é uma exceção, quase uma maluquice. Surgiu totalmente por acaso. Era para ser um show de Gal com Baden Powell, mas ele estava doente (Powell morreu em setembro).

Folha - Você está negociando gravar pela Trama?
Edu -
É, estou. Negociamos relançar aqueles balés todos com Chico, e também há um projeto meu com Dori Caymmi. Pensamos em misturar canções minhas e dele e músicas que tenham a ver com nossa vida e formação, que são parecidas e muito próximas.

Folha - O projeto de mundo da sua geração não deu certo?
Edu -
O sonho não deu certo. Se dissessem em 64 que hoje as rádios iam estar deste jeito, com padre que não sabe cantar direito vendendo milhões, nenhum de nós acreditaria. A revolução de 64 e o AI-5 desarrumaram uma geração, e depois o mercado tomou conta. Começou a era pragmática, as coisas são feitas para funcionar. Acho arte pragmática um absurdo, uma frase que não se forma.

Folha - Vocês, artistas, se acomodaram a esse cenário adverso, não?
Edu -
Porque não funciona. De certa forma... Não. Esse musical está sendo feito na raça, no risco. Não estamos acomodados, não.


Show: Gal Costa e Edu Lobo
Onde: Credicard Hall (av. das Nações Unidas, 17.955, tel. 0/xx/11/5643-2500)
Quando: hoje e amanhã, às 22h
Quanto: R$ 25 a R$ 70



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