São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2000

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CINEMA/ESTRÉIAS

"DUAS VIDAS"
Disney cria fábula de regressão conservadora

TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O nome do compositor John Williams não consta na ficha técnica de "Duas Vidas", mas, logo que o filme começa, são os acordes da música-tema de "E.T. -0O Extraterrestre" que reconhecemos na trilha sonora assinada por Marc Shaiman.
Eles estão lá para nos lembrar de que, de uma forma ou de outra, Steven Spielberg não pode deixar de ser responsabilizado por mais este subproduto da Disney.
Afinal, desde que Spielberg começou a fazer fortuna em filmes de regressão explícita, o infantilismo nunca mais deixou de ser um dos filões prediletos da indústria cinematográfica norte-americana. Spielberg descobrira, sobretudo, uma demanda da classe média, e a Disney, a produtora mais "família" da América, não demoraria a se dar conta disso. Nesse sentido -e apenas-, "Duas Vidas" é exemplar.
A Disney, pelo menos, nunca deixa de ir direto ao assunto: já que se trata de regressão, façamos um filme em que um homem trombe um dia, em sua casa, com a criança enjeitada que foi outrora. Ou melhor, contemos a história de um "consultor de imagens" (Bruce Willis), sujeito ocupado e intolerante, que se depara, certa feita, com a imagem que mais procurou negar na vida: a do garoto gorducho e desastrado que foi na infância.
Os autores do projeto não tiveram, provavelmente, muita dificuldade para vender o seu peixe. "Eis uma idéia inédita, universal", alegam no material de divulgação. "Ninguém cresce e se torna aquilo que imaginou." Afinal, "que criança ficaria feliz com o adulto no qual se transformou?". Bem, em se tratando do padrão Disney de produção, será preciso, é claro, fazer com que essa criança reivindique os bons e velhos valores familiares. É assim que o garoto pressionará o adulto a se casar, ter filhos e cachorros. Tanto melhor, portanto, se, ao lado do azedo executivo, trabalhar uma moça de bom coração, prontinha para o casório.
"Duas Vidas" afigura-se, então, um processo de auto-análise. A criança ajuda o adulto a se curar dos traumas de infância (Oh! Que traumas!) na medida em que o adulto ajuda a criança a encarar os seus próprios problemas. Inevitável dizer que, ao final de toda essa terapia, o personagem de Willis terá se tornado muito menos interessante. No começo, antes de se ver preso no "universo paralelo" spielberguiano, o personagem tinha, ao menos, um certo espírito, pois, na qualidade de "personal stylist", não se furtava ao direito de dizer aos seus clientes o que realmente achava deles.

Duas Vidas
The Kid

 
Direção: Jon Turteltaub
Produção: EUA, 2000
Com: Bruce Willis, Spencer Breslin e Emily Mortimer
Quando: a partir de hoje nos cines Center Norte, Interlar Aricanduva, Paulista, SP Market e circuito



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