São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"O IRMÃO BOM"

Chris Offutt retrata movimentos paramilitares nos EUA

Escritor vê milícias como grupos desorganizados

GUILHERME WERNECK
DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor norte-americano Chris Offutt, 43, nasceu nas montanhas do Kentucky, numa cidade de apenas 200 habitantes. Deixou o Estado e, para manter o "vício de escrever", faz trabalhos para jornais e universidades.
Offutt publicou cinco livros, dois de contos, dois de não-ficção e o romance "O Irmão Bom", de 1998 (leia abaixo). O romance trata de vingança e de grupos paramilitares nos EUA, dois temas que ganharam atenção a partir dos atentados de 11 de setembro.
Leia a seguir trechos da entrevista que Offutt concedeu à Folha, por telefone.

Folha - A primeira parte do livro dá a impressão de que a ação poderia se passar no Kentucky do século 19. Isso é fruto da estagnação das pessoas nas áreas rurais do Estado?
Chris Offutt -
Não sei se é estagnação, odiaria pensar em pessoas estagnadas. Mas o Kentucky é um lugar muito isolado. Acho que a impressão não é a de que a história se passe no século 19, quando houve a Revolução Industrial. A vida no Kentucky é mais parecida com a do século 18.

Folha - Enquanto está no Kentucky, o personagem principal do livro sofre pressão para seguir o código do "olho por olho". Por quê?
Offutt -
Bom, é um velho legado de fé. Acho que é um produto de um mundo rural, no qual não há uma polícia forte. As pessoas têm de cuidar de si mesmas. O que, pessoalmente, eu não condeno. Acho apenas que não é o modo civilizado de ver o mundo. Mas, ao mesmo tempo, sempre que o Estado aplica a pena de morte a um criminoso, é a mesma coisa.

Folha - Essa mentalidade do "olho por olho" cresceu nos EUA após os ataques terroristas?
Offutt -
Eu penso que as pessoas querem vingança. O "olho por olho" vem de pessoas que se sentem impotentes e vulneráveis e da vontade de vingança.

Folha - Na segunda parte do livro, que se passa em Montana, o sr. mostra que há muitas formas de norte-americanos pobres e com pouca instrução integrarem milícias. Qual é a sedução que esses grupos exercem?
Offutt -
Acho que a maior parte das pessoas é atraída por uma identidade de grupo, seja uma milícia, uma turma de boliche, o Exército ou um grupo de igreja. Os seres humanos têm uma mentalidade de rebanho. Quando você está num ambiente rural isolado, há muito poucas opções para alcançar essa identidade coletiva. Uma delas é a igreja e, em alguns dos Estados do Oeste, há o surgimento das milícias.

Folha - O sr. entrou em contato com algum grupo desses para escrever o livro?
Offutt -
Eu conheci pessoas na periferia dos grupos. Não me infiltrei ou participei diretamente.

Folha - No livro, o alicerce intelectual para essas milícias vem da má interpretação de textos que vão da Bíblia à Constituição dos EUA. Por que isso acontece?
Offutt -
Todo mundo quer acreditar em alguma coisa e, quando as pessoas se sentem impotentes, o fundamentalismo é muito sedutor. O cristianismo fundamentalista é muito atraente para as pessoas pobres nos EUA. Há também um patriotismo tremendo no país, que está crescendo rapidamente. Há bandeiras em todo lugar. Outro ponto é que o Oeste foi a última área a ser colonizada nos EUA, no século 20. E, lá, há um senso de patriotismo que está relacionado à Constituição. As pessoas acreditam que, se você manipular a Constituição da mesma forma que é feito com a Bíblia, isso lhes dá licença para se comportarem de forma imprópria.

Folha - O sr. pensa que o fantasma das milícias é maior do que os próprios grupos?
Offutt -
Eu não acho que haja tantas milícias quanto as pessoas pensam que há. Outra coisa que eu percebi em Montana é que as milícias são um movimento muito desorganizado. É como tentar formar um rebanho com gatos.

Folha - O sr. crê que esses movimentos têm o poder de fazer um atentado como o de Nova York?
Offutt -
Eu não acho que eles tenham dinheiro nem o fervor. Acho que é preciso uma certa dose de fanatismo para cometer um ato como o que destruiu o World Trade Center. As milícias não têm isso. É muito mais papo que ação. A ironia é que elas são um grupo de pessoas muito patrióticas que têm sentimentos antigoverno.

Os grupos não falam entre si?
Offutt -
Não existe um centro para organizá-los. Mas algumas pessoas defendem que há células operando, como no caso de Timothy McVeigh, condenado pelo atentado em Oklahoma.


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