Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS
"O IRMÃO BOM"
Chris Offutt retrata movimentos paramilitares nos EUA
Escritor vê milícias como grupos desorganizados
GUILHERME WERNECK
DA REPORTAGEM LOCAL
O escritor norte-americano
Chris Offutt, 43, nasceu nas montanhas do Kentucky, numa cidade
de apenas 200 habitantes. Deixou
o Estado e, para manter o "vício
de escrever", faz trabalhos para
jornais e universidades.
Offutt publicou cinco livros,
dois de contos, dois de não-ficção
e o romance "O Irmão Bom", de
1998 (leia abaixo). O romance trata de vingança e de grupos paramilitares nos EUA, dois temas
que ganharam atenção a partir
dos atentados de 11 de setembro.
Leia a seguir trechos da entrevista que Offutt concedeu à Folha,
por telefone.
Folha - A primeira parte do livro
dá a impressão de que a ação poderia se passar no Kentucky do século
19. Isso é fruto da estagnação das
pessoas nas áreas rurais do Estado?
Chris Offutt - Não sei se é estagnação, odiaria pensar em pessoas
estagnadas. Mas o Kentucky é um
lugar muito isolado. Acho que a
impressão não é a de que a história se passe no século 19, quando
houve a Revolução Industrial. A
vida no Kentucky é mais parecida
com a do século 18.
Folha - Enquanto está no Kentucky, o personagem principal do
livro sofre pressão para seguir o código do "olho por olho". Por quê?
Offutt - Bom, é um velho legado
de fé. Acho que é um produto de
um mundo rural, no qual não há
uma polícia forte. As pessoas têm
de cuidar de si mesmas. O que,
pessoalmente, eu não condeno.
Acho apenas que não é o modo civilizado de ver o mundo. Mas, ao
mesmo tempo, sempre que o Estado aplica a pena de morte a um
criminoso, é a mesma coisa.
Folha - Essa mentalidade do
"olho por olho" cresceu nos EUA
após os ataques terroristas?
Offutt - Eu penso que as pessoas
querem vingança. O "olho por
olho" vem de pessoas que se sentem impotentes e vulneráveis e da
vontade de vingança.
Folha - Na segunda parte do livro,
que se passa em Montana, o sr.
mostra que há muitas formas de
norte-americanos pobres e com
pouca instrução integrarem milícias. Qual é a sedução que esses
grupos exercem?
Offutt - Acho que a maior parte
das pessoas é atraída por uma
identidade de grupo, seja uma milícia, uma turma de boliche, o
Exército ou um grupo de igreja.
Os seres humanos têm uma mentalidade de rebanho. Quando você está num ambiente rural isolado, há muito poucas opções para
alcançar essa identidade coletiva.
Uma delas é a igreja e, em alguns
dos Estados do Oeste, há o surgimento das milícias.
Folha - O sr. entrou em contato
com algum grupo desses para escrever o livro?
Offutt - Eu conheci pessoas na
periferia dos grupos. Não me infiltrei ou participei diretamente.
Folha - No livro, o alicerce intelectual para essas milícias vem da má
interpretação de textos que vão da
Bíblia à Constituição dos EUA. Por
que isso acontece?
Offutt - Todo mundo quer acreditar em alguma coisa e, quando
as pessoas se sentem impotentes,
o fundamentalismo é muito sedutor. O cristianismo fundamentalista é muito atraente para as pessoas pobres nos EUA. Há também
um patriotismo tremendo no
país, que está crescendo rapidamente. Há bandeiras em todo lugar. Outro ponto é que o Oeste foi
a última área a ser colonizada nos
EUA, no século 20. E, lá, há um
senso de patriotismo que está relacionado à Constituição. As pessoas acreditam que, se você manipular a Constituição da mesma
forma que é feito com a Bíblia, isso lhes dá licença para se comportarem de forma imprópria.
Folha - O sr. pensa que o fantasma das milícias é maior do que os
próprios grupos?
Offutt - Eu não acho que haja
tantas milícias quanto as pessoas
pensam que há. Outra coisa que
eu percebi em Montana é que as
milícias são um movimento muito desorganizado. É como tentar
formar um rebanho com gatos.
Folha - O sr. crê que esses movimentos têm o poder de fazer um
atentado como o de Nova York?
Offutt - Eu não acho que eles tenham dinheiro nem o fervor.
Acho que é preciso uma certa dose de fanatismo para cometer um
ato como o que destruiu o World
Trade Center. As milícias não têm
isso. É muito mais papo que ação.
A ironia é que elas são um grupo
de pessoas muito patrióticas que
têm sentimentos antigoverno.
Os grupos não falam entre si?
Offutt - Não existe um centro
para organizá-los. Mas algumas
pessoas defendem que há células
operando, como no caso de Timothy McVeigh, condenado pelo
atentado em Oklahoma.
Texto Anterior: Análise: Artista resgatou corpo humano Próximo Texto: Frases Índice
|