São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2007

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TRECHO

Então foi, nem queiram saber, que aconteceu. Desentender-se, entre o povo dos urubus, já disse, é uma atividade insistente, contínua e caprichosa. O que se deu, contudo, nos baixios infectos, foi estertor de carne viva e sangue da veia aorta. Nem queiram saber, os urubus, quando dispostos a dilacerar no bico a carne de seus pares. Me lembrei de uma briga com a Hérica em que quebramos todos os pratos da casa. Mas com o povo dos urubus não há nada que se compare, esta é que é a maior verdade. Só para se ter uma fraca idéia, o urubu é mais agressivo com os de sua espécie -tendo como vítimas preferenciais os seus irmãos doentes ou morituros- do que qualquer outro animal que sobre a Terra ande ou voe. Odeia-se, entre si, persistente, quase macabro, o povo dos urubus (...). A agressividade não se prende à conquista de fêmeas ou de machos (ainda que, nesses casos, se empenhem baixo raiva cheia de baba e de unhas), ou mesmo à sempre belicosa conquista de alimento, se dermos o nome de alimento à carniça com que se fartam, os bicos recurvos, sanguinolentos, sujos de um sangue velho e pisado, o sangue das derruídas carcaças. Mesmo sem razão alguma, o ódio dos urubus a seus iguais é alarmante.

Extraído de "A Copista de Kafka", de Wilson Bueno


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