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"AS APARÊNCIAS ENGANAM"
Colunista da Folha lança coletânea de crônicas, com textos escritos nos últimos quatro anos
Danuza extrai reflexão dos fatos cotidianos
BERNARDO AJZENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA
No livro "Na Cobertura de
Rubem Braga" (editora José
Olympio, 1996), retrato biográfico
de um dos maiores cronistas que
o país conheceu, o escritor José
Castello afirma que "Braga nos
ensinou, também, que vidas não
são feitas apenas de fatos, mas sobretudo do modo como nós os
torneamos".
Eis, aí, o segredo de todo cronista de qualidade: extrair do cotidiano o sumo reflexivo, o sabor
-doce ou amargo- dos grandes
ou pequenos acontecimentos.
A quinta coletânea de crônicas
de Danuza Leão, "As Aparências
Enganam", com 101 textos publicados na Folha entre novembro
de 2001 e agosto deste ano, expressa de modo límpido essa capacidade.
Danuza, porém, tem uma particularidade. Segue muitas vezes a
agenda (Carnaval, eleição, Natal,
guerra etc.), mas, na maior parte
dos textos, às tramas inspiradoras
do dia-a-dia da(s) cidade(s) ela
acrescenta lembranças e experiências pessoais, reminiscências,
evocações mais ou menos nostálgicas. E nisso, dada a sua singular
biografia, é quase imbatível. Basta
lembrar o auto-retrato que a autora condensou ao apresentar a
sua segunda coletânea, em 1994
("Danuza, Todo Dia", editora Siciliano), com textos então publicados no "Jornal do Brasil":
"...fui secretária, dona de butique, de restaurante, manequim,
relações-públicas da TAP, jurada
de televisão e mais ou menos atriz
(invenções do Glauber); trabalhei
oito anos na noite (...) fui entrevistadora de televisão, produtora de
arte em novelas, assessora de estilo também em novelas, escrevi
um livro. E fiz mais uma porção
de coisas que esqueci; chega? Não,
não chega".
A partir dessa eclética bagagem,
as crônicas de Danuza -que é
também, diga-se, mãe e avó-
abordam de maneira despretensiosa, contundente e repleta de
"dicas", temas singelos como relações familiares, crises conjugais,
educação, animais, dinheiro, saudade, homens/mulheres, etiqueta, amizade, solidão, traição.
Em "Ter um Passado é Fundamental", de 16/6/2002, por exemplo, ela resume:
"Tem mais: os muito apaixonados costumam não ter opinião sobre nada: dependendo do parceiro, deixam de fumar, passam a
não comer carne vermelha, a só
gostar de música clássica -ou
pagode, ou rock-, a acordar às
3h da manhã para ver a seleção jogar, mesmo odiando futebol -e
ainda fazem um café no intervalo
do jogo-, e são incapazes de votar em outro candidato que não
seja o mesmo do seu amado. Estar
apaixonado e conservar alguma
personalidade é praticamente impossível".
Com uma sensibilidade ferina,
muita ironia e temperança, linguagem simples, direta, franca,
bem-humorada e (fundamental)
sem ceder ao lugar-comum nem
flertar com a chatice do "politicamente correto", Danuza reconstitui, com minúcias narrativas de
ficcionista, histórias que sentimos
como nossas, como se as tivéssemos realmente vivido, até mesmo
em seus mínimos detalhes.
Daí a sensação, ao ler os textos,
de estarmos simplesmente batendo um papo, ouvindo ilações sarcásticas e casos de uma pessoa
que, sem nenhuma dúvida, os
tem aos montes para contar.
Na apresentação desta nova coletânea, a cronista afirma: "É muito fácil escrever; basta prestar
atenção em como as pessoas se falam, se olham, se tocam, e a crônica está pronta". Ah, se fosse apenas assim...
Bernardo Ajzenberg é autor dos romances "A Gaiola de Faraday" e "Variações Goldman", ambos pela editora Rocco, entre outros livros, e assessor executivo do Instituto Moreira Salles.
As Aparências Enganam
Autora: Danuza Leão
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 39 (310 págs.)
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