São Paulo, sábado, 06 de novembro de 2004

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"AS APARÊNCIAS ENGANAM"

Colunista da Folha lança coletânea de crônicas, com textos escritos nos últimos quatro anos

Danuza extrai reflexão dos fatos cotidianos

BERNARDO AJZENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

No livro "Na Cobertura de Rubem Braga" (editora José Olympio, 1996), retrato biográfico de um dos maiores cronistas que o país conheceu, o escritor José Castello afirma que "Braga nos ensinou, também, que vidas não são feitas apenas de fatos, mas sobretudo do modo como nós os torneamos".
Eis, aí, o segredo de todo cronista de qualidade: extrair do cotidiano o sumo reflexivo, o sabor -doce ou amargo- dos grandes ou pequenos acontecimentos.
A quinta coletânea de crônicas de Danuza Leão, "As Aparências Enganam", com 101 textos publicados na Folha entre novembro de 2001 e agosto deste ano, expressa de modo límpido essa capacidade.
Danuza, porém, tem uma particularidade. Segue muitas vezes a agenda (Carnaval, eleição, Natal, guerra etc.), mas, na maior parte dos textos, às tramas inspiradoras do dia-a-dia da(s) cidade(s) ela acrescenta lembranças e experiências pessoais, reminiscências, evocações mais ou menos nostálgicas. E nisso, dada a sua singular biografia, é quase imbatível. Basta lembrar o auto-retrato que a autora condensou ao apresentar a sua segunda coletânea, em 1994 ("Danuza, Todo Dia", editora Siciliano), com textos então publicados no "Jornal do Brasil":
"...fui secretária, dona de butique, de restaurante, manequim, relações-públicas da TAP, jurada de televisão e mais ou menos atriz (invenções do Glauber); trabalhei oito anos na noite (...) fui entrevistadora de televisão, produtora de arte em novelas, assessora de estilo também em novelas, escrevi um livro. E fiz mais uma porção de coisas que esqueci; chega? Não, não chega".
A partir dessa eclética bagagem, as crônicas de Danuza -que é também, diga-se, mãe e avó- abordam de maneira despretensiosa, contundente e repleta de "dicas", temas singelos como relações familiares, crises conjugais, educação, animais, dinheiro, saudade, homens/mulheres, etiqueta, amizade, solidão, traição.
Em "Ter um Passado é Fundamental", de 16/6/2002, por exemplo, ela resume:
"Tem mais: os muito apaixonados costumam não ter opinião sobre nada: dependendo do parceiro, deixam de fumar, passam a não comer carne vermelha, a só gostar de música clássica -ou pagode, ou rock-, a acordar às 3h da manhã para ver a seleção jogar, mesmo odiando futebol -e ainda fazem um café no intervalo do jogo-, e são incapazes de votar em outro candidato que não seja o mesmo do seu amado. Estar apaixonado e conservar alguma personalidade é praticamente impossível".
Com uma sensibilidade ferina, muita ironia e temperança, linguagem simples, direta, franca, bem-humorada e (fundamental) sem ceder ao lugar-comum nem flertar com a chatice do "politicamente correto", Danuza reconstitui, com minúcias narrativas de ficcionista, histórias que sentimos como nossas, como se as tivéssemos realmente vivido, até mesmo em seus mínimos detalhes.
Daí a sensação, ao ler os textos, de estarmos simplesmente batendo um papo, ouvindo ilações sarcásticas e casos de uma pessoa que, sem nenhuma dúvida, os tem aos montes para contar.
Na apresentação desta nova coletânea, a cronista afirma: "É muito fácil escrever; basta prestar atenção em como as pessoas se falam, se olham, se tocam, e a crônica está pronta". Ah, se fosse apenas assim...


Bernardo Ajzenberg é autor dos romances "A Gaiola de Faraday" e "Variações Goldman", ambos pela editora Rocco, entre outros livros, e assessor executivo do Instituto Moreira Salles.

As Aparências Enganam
   
Autora: Danuza Leão
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 39 (310 págs.)



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