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"UM FILME POR DIA"
Moniz Vianna ilumina o cinema com paixão
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Para simplificar, poderíamos
dizer que Antonio Moniz
Vianna, 80, está para a crítica de
cinema carioca como Paulo Emílio Salles Gomes (1916-77) está para a paulista.
Mas, colocado nesses termos, o
paralelo entre esses dois gigantes
da crítica pode reforçar uma rivalidade bairrista inconsistente.
Pois as coisas são bem mais
complexas. Para começar, o paulista Paulo Emilio tinha muito
mais afinidade com o cinema novo (cujo núcleo estava no Rio) do
que o carioca Moniz Vianna, que
aliás defendia o paulistaníssimo
Walter Hugo Khouri da incompreensão e do isolamento a que
estava relegado.
Esqueçamos, pois, o confronto
geográfico. O fato é que, assim como Paulo Emilio formou gerações de críticos e cinéfilos com
seus artigos semanais no "Suplemento Literário" de "O Estado de
S. Paulo", Moniz Vianna fez o
mesmo com seus textos no extinto "Correio da Manhã".
A diferença é que as críticas de
Moniz Vianna eram diárias, o que
justifica o título desta coletânea
agora publicada, depois de décadas de relutância do velho crítico:
"Um Filme por Dia".
São 76 textos, escolhidos e apresentados por Ruy Castro entre os
milhares publicados por Vianna
entre 1946 e 1973.
O conjunto dá uma boa idéia do
interesse variado do crítico e do
alcance de sua reflexão: abarca todos os gêneros, nacionalidades e
categorias de produção. Do mais
obscuro filme B à maior superprodução hollywoodiana, de Mario Bava a Orson Welles, Vianna
submetia a um rigoroso exame
todo o tipo de imagem que se movia sobre uma tela.
Ao longo da leitura, vamos percebendo um denominador comum, que é também um "parti
pris", talvez o único do autor: a
paixão pelo cinema. Alheio às
modas, aos alinhamentos políticos e aos referendos intelectuais,
Moniz Vianna avaliava o êxito ou
o fracasso de um filme por sua capacidade de enriquecer e levar
adiante a arte do cinema.
Foi a partir dessa perspectiva
que se desenvolveram suas afinidades, antipatias e também, como
ocorre com todo bom crítico, suas
idiossincrasias.
De seu panteão faziam parte cineastas aparentemente tão díspares quanto John Ford (para ele, o
maior de todos), Orson Welles,
Fellini, Hitchcock e Buñuel.
Por outro lado, nunca engoliu o
intelectualismo de Alain Resnais,
a quem tachava de "neurótico",
nem tampouco a pompa vazia do
Stevens de "Assim Caminha a
Humanidade".
Considerava o pessoal oriundo
dos "Cahiers du Cinéma" (Godard, Truffaut, Chabrol) bons críticos, mas maus cineastas, e discordava de suas escolhas e escalas
de valores. Via John Huston como
um injustiçado, por exemplo, e
não por acaso uma das mais belas
críticas desse livro é a do seu
"Moby Dick".
A independência de Moniz
Vianna valeu-lhe o respeito mesmo daqueles a quem eventualmente criticava com dureza, como Glauber Rocha (que uma vez
o ameaçou de morte). Em tempo:
o crítico aplaudiu (com ressalvas)
"Deus e o Diabo na Terra do Sol"
e "O Dragão da Maldade", mas
execrou "Terra em Transe": "É a
obra-prima da indisciplina narrativa, o clímax da antitécnica -é o
caos, ou só um disparate".
Voltando ao paralelo do início,
Moniz Vianna costumava ser
mais sentencioso que Paulo Emilio, mas geralmente com escrupulosa fundamentação numa considerável cultura cinematográfica,
literária e estética.
Não é preciso concordar sempre com o crítico para reconhecer
que sua reflexão enriquecia sobremaneira a leitura e a fruição
dos filmes abordados.
Quanto maior o seu entusiasmo
por uma fita, mais Moniz Vianna
se estendia. Assim, certos filmes
mereceram críticas de meia página de jornal, que, transferidas para o livro, ocupam às vezes dez páginas, como as de "Rastros de
Ódio", de John Ford, "Freud", de
John Huston, e "A Marca da Maldade", de Orson Welles.
O melhor de Vianna é sua firmeza em rejeitar lugares-comuns
da crítica, como em sua emocionante defesa de "O Homem Errado", tido como um Alfred Hitchcock menor, mas que ele revela
em seu esplendor de obra-prima.
Em suma: a coragem de pensar
com a própria cabeça e sentir com
a própria alma.
Um Filme por Dia
Autor: Antonio Moniz Vianna
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 56 (399 págs.)
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