São Paulo, sábado, 06 de novembro de 2010

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Casa onde ocorreu massacre abriga hoje um colégio

Instituição tem parcos resquícios do passado; dossiê de Roger Casement é pouco citado em salas de aula

Genocídio e presença cristã serviram, juntos, para apagar uma grande parte da cultura e dos hábitos indígenas locais

DOS ENVIADOS A LA CHORRERA

A Casa Arana, antiga sede da Peruvian Amazon Company, abriga desde 1994 o Colégio Casa del Conocimiento. A instituição, financiada pelo Ministério da Educação, tem 238 alunos divididos entre ensino médio, superior e universitário.
Todos eles -assim como os 11 professores- são índios das tribos huitoto, bora, okayna ou nonuye. As aulas seguem o currículo padrão colombiano (espanhol, ciências, matemática, filosofia), à exceção dos cursos de legislação indígena e dialetos.
É obrigatório o uso de uniforme. Alunos não pagam. Professores recebem até três salários mínimos por mês (equivalente a R$ 2.000).
Embora localizada no epicentro de onde ocorreu o massacre, há poucas referências ao passado da casa. O galpão onde se depositava a borracha deu lugar ao dormitório feminino. O calabouço onde os índios eram aprisionados, à dispensa. Apenas as paredes de pedra do primeiro andar são originais.
Raul Teteye Ugeche, 60, diretor do Colégio, diz que as denúncias de Casement "expuseram a situação indígena aos olhos do mundo". Ainda assim, são pouco citadas nos cursos de história.
Edwin Teteye Botyay, 33, vice-presidente da associação indígena de La Chorrera, aponta que a presença do diplomata foi discreta: "O que se diz por aqui é que Casement passou quase despercebido. Apenas um senhor branquinho, bem vestido e de chapéu, visto à distância."
Parte do esquecimento se deve à escassez de pessoas para recobrar os fatos. O senso levantado pelo governo colombiano em 1934 -dois anos após a Peruvian Amazon Company deixar a região- contou meros 162 índios em La Chorrera, sendo 20% deles órfãos.
Outra parte -talvez mais importante- se deve à forte presença católica a partir de então. Em 1935, a Casa Arana foi transformada em um orfanato religioso, que lá permaneceu até 1958.
Sob o mandamento de amor ao próximo, os missioneiros obrigaram tribos antes rivais a se pasteurizar em um único grupo étnico, os "Filhos do tabaco, da coca e da mandioca". "A figura paterna era o sacerdote. Não havia questionamento", diz Edwin Teteye Botyay.
O espanhol passou a ser a única língua permitida; crianças que se utilizassem de línguas maternas eram obrigadas a colocar pedras na boca.
Hoje, a quase totalidade dos 2.850 habitantes da região é católica; as novas gerações já não são fluentes nos dialetos. Diz Norberto Farekatde, 49, da associação indígena de La Chorrera: "O etnocídio apagou o que havia sobrado da nossa cultura. Deixou o corpo vazio."
(MARCELO JUSTO E ROBERTO KAZ)


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