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Casa onde ocorreu massacre abriga hoje um colégio
Instituição tem parcos resquícios do passado; dossiê de Roger Casement é pouco citado em salas de aula
Genocídio e presença cristã serviram, juntos, para apagar uma grande parte da cultura e dos hábitos indígenas locais
DOS ENVIADOS A LA CHORRERA
A Casa Arana, antiga sede
da Peruvian Amazon Company, abriga desde 1994 o
Colégio Casa del Conocimiento. A instituição, financiada pelo Ministério da Educação, tem 238 alunos divididos entre ensino médio, superior e universitário.
Todos eles -assim como
os 11 professores- são índios
das tribos huitoto, bora,
okayna ou nonuye. As aulas
seguem o currículo padrão
colombiano (espanhol, ciências, matemática, filosofia), à
exceção dos cursos de legislação indígena e dialetos.
É obrigatório o uso de uniforme. Alunos não pagam.
Professores recebem até três
salários mínimos por mês
(equivalente a R$ 2.000).
Embora localizada no epicentro de onde ocorreu o
massacre, há poucas referências ao passado da casa. O
galpão onde se depositava a
borracha deu lugar ao dormitório feminino. O calabouço
onde os índios eram aprisionados, à dispensa. Apenas as
paredes de pedra do primeiro
andar são originais.
Raul Teteye Ugeche, 60,
diretor do Colégio, diz que as
denúncias de Casement "expuseram a situação indígena
aos olhos do mundo". Ainda
assim, são pouco citadas nos
cursos de história.
Edwin Teteye Botyay, 33,
vice-presidente da associação indígena de La Chorrera,
aponta que a presença do diplomata foi discreta: "O que
se diz por aqui é que Casement passou quase despercebido. Apenas um senhor
branquinho, bem vestido e
de chapéu, visto à distância."
Parte do esquecimento se
deve à escassez de pessoas
para recobrar os fatos. O senso levantado pelo governo
colombiano em 1934 -dois
anos após a Peruvian Amazon Company deixar a região- contou meros 162 índios em La Chorrera, sendo
20% deles órfãos.
Outra parte -talvez mais
importante- se deve à forte
presença católica a partir de
então. Em 1935, a Casa Arana
foi transformada em um orfanato religioso, que lá permaneceu até 1958.
Sob o mandamento de
amor ao próximo, os missioneiros obrigaram tribos antes
rivais a se pasteurizar em um
único grupo étnico, os "Filhos do tabaco, da coca e da
mandioca". "A figura paterna era o sacerdote. Não havia
questionamento", diz Edwin
Teteye Botyay.
O espanhol passou a ser a
única língua permitida;
crianças que se utilizassem
de línguas maternas eram
obrigadas a colocar pedras
na boca.
Hoje, a quase totalidade
dos 2.850 habitantes da região é católica; as novas gerações já não são fluentes
nos dialetos. Diz Norberto
Farekatde, 49, da associação
indígena de La Chorrera: "O
etnocídio apagou o que havia sobrado da nossa cultura.
Deixou o corpo vazio."
(MARCELO JUSTO E ROBERTO KAZ)
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