São Paulo, Segunda-feira, 06 de Dezembro de 1999


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MEMÓRIA ROCK AND ROLL

Stones mataram o sonho hippie há 30 anos

THALES DE MENEZES
da Reportagem Local

Meredith Hunter, filho de família pobre e negra da Califórnia, tinha 18 anos em 1969. Como tantos outros jovens da época, havia largado a escola e a casa dos pais. Vivia pelas ruas, dormia em comunidades hippies e, às vezes, tinha problemas com o temperamento brigão. Hunter mudou os caminhos do pop. Ele foi assassinado a poucos metros de Mick Jagger, dos Rolling Stones.
A morte do garoto foi apenas o mais grave dos muitos incidentes que marcaram a desorganizada apresentação dos Stones no autódromo de Altamont, em Livermere, Califórnia, no dia 6 de dezembro de 1969. O concerto foi um balde de água fria na efervescência hippie detonada poucos meses antes pelo festival de Woodstock, que reuniu 400 mil jovens dedicados a fazer amor livre, alcançar estados alterados da percepção e, quem sabe, até ouvir música.
Os Stones também tiveram, antes de Altamont, seu momento de paz e amor. Sozinhos, no dia 5 de julho de 1969, levaram 250 mil fãs ao Hyde Park, em Londres, no concerto que marcou a estréia do guitarrista Mick Taylor na banda. Ele estava substituindo Brian Jones, membro fundador dos Stones afastado do grupo por não conseguir segurar a onda das drogas. Dois dias antes do concerto no Hyde Park, Jones foi encontrado morto na piscina de sua mansão, drogado e afogado.
Os Stones deram a volta por cima, transformando o concerto em uma grande homenagem ao companheiro morto.
Já exibindo músicas do magnífico álbum que tinha concluído, "Let It Bleed", a banda iniciou turnê pelos EUA no dia 7 de novembro, fazendo 17 shows até finalizar a série em Boston, no dia 29.
Empolgado, Mick Jagger convenceu os amigos a fechar o ano com um grande show em lugar aberto. Programado para o dia 5 de dezembro, no autódromo Sears Point Raceway, o evento teve vários contratempos administrativos, que acabaram implicando a mudança de data e local.
No bem-sucedido concerto do Hyde Park, os Stones utilizaram os serviços dos Hell's Angels ingleses como seguranças da banda. Resolveram repetir a dose nos EUA, embora alertados por amigos da faceta mais barra-pesada da facção californiana da gangue.
Quando a grande noite chegou, deu tudo errado. A afluência de público suplantou qualquer expectativa. Tanto que, até hoje, ninguém sabe direito quantas pessoas botaram os pés no autódromo. Algo entre 200 mil e meio milhão, segundo vários relatos.
Apenas junto aos músicos os Hell's Angels mostravam alguma eficiência no trabalho de seguranças. Na platéia, os integrantes do grupo bebiam, provocavam brigas e assediavam as mulheres.
O clima de tensão entre os motoqueiros e os hippies cresceu com as primeiras atrações da noite. Flying Burrito Bros e Jefferson Airplane, bandas de som viajandão, irritaram os Hell's Angels. Os motoqueiros agrediram o vocalista do Jefferson, Marty Balin.
Ike e Tina Turner fizeram um show curto e barulhento, e o Grateful Dead usou seu status de maior banda do rock psicodélico para ter o respeito dos motoqueiros. Mas a tensão foi crescendo em torno do minúsculo palco.
Quando os Stones começaram a tocar, duas mortes já estavam registradas pela equipe médica no local. Mick Jagger escolheu uma frase para introduzir a canção "Sympathy for the Devil" ("Simpatia pelo Diabo") que ganhou ares premonitórios: "Cada vez que tocamos essa música algo acontece, algo muito estranho".
Mas foi ao som de "Under My Thumb" que a violência chegou ao ápice. No meio de uma briga, bem na frente do palco, Meredith Hunter sacou uma arma. Os Hell's Angels agiram com pronta reação e fúria desmedida. Hunter foi morto a facadas, golpes com barras e pontapés. O palco foi invadido, o show já era.
Os Stones foram retirados no meio de uma verdadeira operação de guerra, fugindo do autódromo em helicópteros.
A mídia bombardeou os Stones nos dias seguintes. O saldo de quatro mortos foi alardeado. Mais uma vez, os Stones pagaram a conta de sua geração. Afinal, Woodstock teve três mortes, mas todos só falaram de paz e amor.
O sepultamento da utopia hippie foi coroado 17 dias depois. O grupo de fanáticos liderado por Charles Manson matou a atriz Sharon Tate e mais cinco pessoas numa mansão na Califórnia. Qual a música preferida de Manson? "Gimme Shelter", mostrada pelos Stones em Altamont.
Lançado no Brasil em vídeo em 1994, o documentário "Gimme Shelter" mostra o que foi aquele inferno, há 30 anos. O guitarrista dos Stones Keith Richards tem sua definição: "Não fui ao Vietnã, mas estive em Altamont. Eu também sou um sobrevivente".

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