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LIVRO/LANÇAMENTO
Um dos maiores autores em língua portuguesa, angolano publica seu primeiro policial
Pepetela ruma ao noir com sátira ao agente James Bond
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
James Bond virou Jaime Bunda.
É, Jaime Bunda. É com esse nome
esdrúxulo que um escritor vencedor do principal prêmio da língua
portuguesa estréia agora nos romances policiais.
Pepetela, 62, maior nome da literatura angolana e vencedor do
Prêmio Camões em 1997, dá os
primeiros passos rumo ao noir
com um 007 que parece bobo, é
bobo, mas que arrastando sua larga poupança pelas misérias de
Luanda continua com eficiência a
trajetória de seu criador.
É nesses abismos sociopolíticos
do país africano que Pepetela põe
a mira de cada um de seus 15 livros, publicados em mais de 30
países. Arthur Pestana, como o
escritor se chamava antes de pegar em armas contra a ditadura de
seu país (e adotar o equivalente a
Pestana no idioma kimbundu),
nos anos 60, tem boa pontaria.
"Jaime Bunda, o Agente Secreto", que a editora Record está lançando, é um livro levinho, levinho, mas dá o recado. Com pitadas de autores como Evelyn
Waugh ou Graham Greene, o escritor passeia com graça pela corrupção, pela anomia, pela miséria
cristalizada em uma favela chamada Roque Santeiro, no miolo
da capital Luanda.
O escritor, que veio ao país esta
semana, para participar do ciclo
Rodas de Leitura, do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, recebeu a Folha pouco depois de chegar de Angola e conversou sobre
seu agente secreto: Bunda, Jaime
Bunda. Leia trechos a seguir.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - O gênero romance policial
é muitas vezes o escolhido por iniciantes na ficção. O sr. já tem mais
de 15 livros e agora está publicando as primeiras histórias detetivescas. O que o levou a isso?
Pepetela - O primeiro romance
que tentei escrever foi, de fato, um
policial, quando eu tinha 15 anos.
Mas não terminei e, por sorte,
perdi esse livro. Depois sempre
pensei em escrever um policial,
por que um escritor deve se renovar o tempo todo. Adotei o formato de detetive como pretexto.
O que me interessa é analisar os
problemas de Angola.
Folha - O sr. pegou em armas durante seis anos e depois disso desenvolveu uma literatura crítica
em relação ao status quo angolano. Com qual das idéias, hoje quase
clichês, o sr. se identifica mais: o
"intelectual engajado", formulado
por Sartre, ou o escritor que "luta
com as palavras", de Maiakóvski?
Pepetela - Como em boa parte
dos clichês, as duas frases têm
muito de verdadeiras e podem ser
aplicadas ao meu trabalho. A única diferença que vejo em relação
ao que dizia Maiakóvski é que hoje a verdadeira arma não é a palavra, mas a imagem.
Folha - Por que o sr. tem adotado
um estilo cada vez mais leve para
tratar de seus temas pesados?
Pepetela - O angolano é um otimista por natureza. Sempre acha
que pode dar a volta por cima. Por
isso meus livros não são amargos.
Temos uma capacidade bem brasileira de rirmos de nós mesmos.
Temos um sentido de autocrítica
forte. Isso é muito diferente da
chamada melancolia dos portugueses. A relação do angolano
com a vida sempre inclui o jogo.
Folha - A língua portuguesa em
Angola é mais próxima da usada no
Brasil ou em Portugal?
Pepetela - Ainda de Portugal,
por influência da escola, onde se
ensina o português de Lisboa.
Mas vem crescendo muito a influência do falar brasileiro, principalmente por causa dos programas de televisão.
Folha - Além das telenovelas e da
música popular, Angola recebe outros "produtos" culturais brasileiros, como nossa literatura?
Pepetela - Não. Aliás, se reverteu
uma situação. Antes de 1961, marco do começo da luta armada em
Angola, era mais fácil encontrar
livros brasileiros em Angola do
que em Portugal. Fui a Lisboa estudar em 1958, tinha 17 anos e já
conhecia toda a obra de Jorge
Amado até então, o José Lins do
Rego, Érico Veríssimo, até Graciliano Ramos. Meus colegas portugueses não conheciam nem Amado. Os livros de brasileiros que
chegam hoje a Angola são os portugueses. O livro é muito caro para nosso nível. Meus livros já chegaram a sair com tiragem inicial
de 20 mil exemplares. Hoje saem
2.000. Em média lança-se 500 cópias de cada livro.
Folha - Mesmo Paulo Coelho?
Pepetela - Ele não vende por lá.
JAIME BUNDA, AGENTE SECRETO.
Autor: Pepetela. Editora: Record. Quanto:
R$ 35 (384 págs.).
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