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São Paulo, sábado, 06 de dezembro de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

Um dos maiores autores em língua portuguesa, angolano publica seu primeiro policial

Pepetela ruma ao noir com sátira ao agente James Bond

ENVIADO ESPECIAL AO RIO

James Bond virou Jaime Bunda. É, Jaime Bunda. É com esse nome esdrúxulo que um escritor vencedor do principal prêmio da língua portuguesa estréia agora nos romances policiais.
Pepetela, 62, maior nome da literatura angolana e vencedor do Prêmio Camões em 1997, dá os primeiros passos rumo ao noir com um 007 que parece bobo, é bobo, mas que arrastando sua larga poupança pelas misérias de Luanda continua com eficiência a trajetória de seu criador.
É nesses abismos sociopolíticos do país africano que Pepetela põe a mira de cada um de seus 15 livros, publicados em mais de 30 países. Arthur Pestana, como o escritor se chamava antes de pegar em armas contra a ditadura de seu país (e adotar o equivalente a Pestana no idioma kimbundu), nos anos 60, tem boa pontaria.
"Jaime Bunda, o Agente Secreto", que a editora Record está lançando, é um livro levinho, levinho, mas dá o recado. Com pitadas de autores como Evelyn Waugh ou Graham Greene, o escritor passeia com graça pela corrupção, pela anomia, pela miséria cristalizada em uma favela chamada Roque Santeiro, no miolo da capital Luanda.
O escritor, que veio ao país esta semana, para participar do ciclo Rodas de Leitura, do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, recebeu a Folha pouco depois de chegar de Angola e conversou sobre seu agente secreto: Bunda, Jaime Bunda. Leia trechos a seguir.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
 

Folha - O gênero romance policial é muitas vezes o escolhido por iniciantes na ficção. O sr. já tem mais de 15 livros e agora está publicando as primeiras histórias detetivescas. O que o levou a isso?
Pepetela -
O primeiro romance que tentei escrever foi, de fato, um policial, quando eu tinha 15 anos. Mas não terminei e, por sorte, perdi esse livro. Depois sempre pensei em escrever um policial, por que um escritor deve se renovar o tempo todo. Adotei o formato de detetive como pretexto. O que me interessa é analisar os problemas de Angola.

Folha - O sr. pegou em armas durante seis anos e depois disso desenvolveu uma literatura crítica em relação ao status quo angolano. Com qual das idéias, hoje quase clichês, o sr. se identifica mais: o "intelectual engajado", formulado por Sartre, ou o escritor que "luta com as palavras", de Maiakóvski?
Pepetela -
Como em boa parte dos clichês, as duas frases têm muito de verdadeiras e podem ser aplicadas ao meu trabalho. A única diferença que vejo em relação ao que dizia Maiakóvski é que hoje a verdadeira arma não é a palavra, mas a imagem.

Folha - Por que o sr. tem adotado um estilo cada vez mais leve para tratar de seus temas pesados?
Pepetela -
O angolano é um otimista por natureza. Sempre acha que pode dar a volta por cima. Por isso meus livros não são amargos. Temos uma capacidade bem brasileira de rirmos de nós mesmos. Temos um sentido de autocrítica forte. Isso é muito diferente da chamada melancolia dos portugueses. A relação do angolano com a vida sempre inclui o jogo.

Folha - A língua portuguesa em Angola é mais próxima da usada no Brasil ou em Portugal?
Pepetela -
Ainda de Portugal, por influência da escola, onde se ensina o português de Lisboa. Mas vem crescendo muito a influência do falar brasileiro, principalmente por causa dos programas de televisão.

Folha - Além das telenovelas e da música popular, Angola recebe outros "produtos" culturais brasileiros, como nossa literatura?
Pepetela -
Não. Aliás, se reverteu uma situação. Antes de 1961, marco do começo da luta armada em Angola, era mais fácil encontrar livros brasileiros em Angola do que em Portugal. Fui a Lisboa estudar em 1958, tinha 17 anos e já conhecia toda a obra de Jorge Amado até então, o José Lins do Rego, Érico Veríssimo, até Graciliano Ramos. Meus colegas portugueses não conheciam nem Amado. Os livros de brasileiros que chegam hoje a Angola são os portugueses. O livro é muito caro para nosso nível. Meus livros já chegaram a sair com tiragem inicial de 20 mil exemplares. Hoje saem 2.000. Em média lança-se 500 cópias de cada livro.

Folha - Mesmo Paulo Coelho?
Pepetela -
Ele não vende por lá.


JAIME BUNDA, AGENTE SECRETO. Autor: Pepetela. Editora: Record. Quanto: R$ 35 (384 págs.).


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