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biblioteca FOLHA
Obra autobiográfica do escritor austríaco, "O Jovem Törless" é marcado pelo tom sombrio; livro chega às bancas amanhã
Musil busca desvendar o inconsciente
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS
"O Jovem Törless", do escritor
austríaco Robert Musil (1880-1942), flerta, desde o início, com
um tom sombrio: "Cada noite lhe
significava um nada, uma sepultura, uma extinção. Ele ainda não
aprendera a morrer a cada fim de
dia sem se preocupar". E esse caráter melancólico só faz se acentuar até o fim do romance.
O livro, autobiográfico, narra a
experiência de um jovem interno
num colégio militar nos confins
do Império Austro-Húngaro na
virada do século 19 para o 20. O
enredo é relativamente simples:
um dos estudantes, Basini, é pego
por colegas roubando. É submetido então a uma série de perversidades, que incluem espancamentos e jogos homossexuais. Törless,
embora procure se manter numa
condição de observador, dos
eventos e de si mesmo, está entre
os abusadores. Sai do colégio em
estado de confusão moral.
Como seu contemporâneo Sigmund Freud, Musil tinha grande
interesse pelo inconsciente, ainda
que não aceitasse bem as idéias do
pai da psicanálise. Musil, que faz
uma leitura mais nietzschiana do
inconsciente, não admitia a premissa freudiana de que o inconsciente é acessível à linguagem racional. Para ele, só a linguagem
poética, a analogia, poderia trazer
pistas sobre o inconsciente, que
ele preferia chamar de "a outra
condição". Nesse sentido, Musil
era até mais radical do que Freud.
Törless está dividido entre dois
mundos. O primeiro é, claro, racional, familiar, burguês, disciplinado, consciente. O segundo é
sombrio, misterioso, sensual, baixo, espontâneo, inconsciente. O
livro trata basicamente da experimentação e dos cambiantes limites entre os dois universos. Por
vezes a separação entre eles é abismal, por vezes tênue.
O romance não traz nenhum
detalhe, mas nos informa que
Törless, "passados os problemas
da juventude", "veio a se tornar
um homem de espírito refinado e
sensível". De alguma forma, Törless soube equilibrar suas pulsões
e encontrou-se na civilização.
É aqui que o texto se torna parabólico. "O Jovem Törless" pode
ser lido também como uma obra
profética, que antecipa os terríveis
acontecimentos do século 20. Os
dois comparsas de Törless, Reiting e Beineberg, se mostram manipuladores competentes e cruéis.
São capazes de levar a classe (as
massas?) aonde querem e fazer
com que ela dirija sua ira contra
Basini, que consideravam moralmente inferior (raça subumana?).
Como grande escritor que foi,
Robert Musil consegue articular
esses vários planos de maneira tão
direta quanto possível -outra
marca nietzschiana. Lê-lo é mergulhar num universo lúgubre e
nada bonito, mas literariamente
extraordinário.
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