São Paulo, segunda-feira, 07 de janeiro de 2002

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A rosa púrpura das telas

Divulgação
Cena de "O Retorno da Múmia", a quinta maior bilheteria de 2001



Em ano de recessão e ataques terroristas, americano se refugia no cinema e faz Hollywood bater recorde de faturamento doméstico; teatro e indústria fonográfica não seguem sucesso dos filmes


SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

No filme "A Rosa Púrpura do Cairo" (1985), um dos melhores de Woody Allen, Cecilia, a personagem interpretada por Mia Farrow, se refugia no cinema. Ela foge da Depressão de 1929, do marido violento e da vida sem graça.
A história, fantasiosa, era baseada em pelo menos um fato real: nunca se havia assistido a tantos filmes nos EUA quanto durante a então primeira grande crise da Bolsa de Valores. Novo recorde foi batido anos depois, na Segunda Guerra Mundial.
Em 2001, chacoalhados pelo ataque terrorista de 11 de setembro ao país e pela recessão que insiste em se fazer presente, os Estados Unidos viram crescer seu número de "Cecilias". Segundo cálculos divulgados no final da semana passada, Hollywood lucrou inéditos US$ 8,35 bilhões apenas em bilheteria doméstica, um recorde histórico.
Superou assim o recorde anterior, US$ 7,7 bilhões em 2000, em 8,5%. Não é pouco dinheiro: US$ 8,35 bilhões (cerca de R$ 19,5 bilhões) ultrapassam, por exemplo, em 30% o total que a Argentina deveria pagar em 2002 ao FMI.
Uma breve olhada na lista dos mais vistos confirma uma tendência que já vinha se anunciando em 2000: o cinema lucrativo, hoje, depende do público adolescente. Dos cinco filmes que ultrapassaram a barreira dos US$ 200 milhões, também um marco inédito, pelo menos três são direcionados a esta faixa etária, exatamente o trio mais bem colocado.
São eles "Harry Potter e a Pedra Filosofal", o primeiro de muitos baseado na franquia literária britânica (US$ 294,5 milhões); "Shrek", o único dos cinco com qualidade cinematográfica (US$ 267,70 milhões); e "Monstros S.A.", o contra-ataque da Disney ao ogro de Spielberg (US$ 240,8 milhões).
Não que os outros dois, ambos continuações, sejam os melhores representantes do chamado "cinema adulto": "Hora do Rush 2", a comédia de maior faturamento da história do cinema até hoje (US$ 226,1 milhões), é uma bobagem sem tamanho, e "O Retorno da Múmia" (US$ 202 milhões) é indescritivelmente abaixo da crítica de tão raso.

Greve
A falta de qualidade dos filmes mais vistos tem outro motivo além do mau gosto do teenager norte-americano médio. 2001 já era conturbado mesmo antes de 11 de setembro. Hoje poucos se lembram, mas foi o ano da greve dos roteiristas e da ameaça de greve dos atores.
Isso obrigou os estúdios a terminarem seus filmes a toque de caixa (para que estivessem prontos antes que os atores parassem de trabalhar, o que não aconteceu) e a concluírem de qualquer jeito roteiros inacabados ou abandonados no meio.
Por fim, uma outra leitura pode ser feita dos campeões de bilheteria de 2001, e aí volta à cena a Cecilia de Woody Allen: intoxicado de tanta realidade nas TVs de sua casa, o público quis ver apenas sonho e fantasia nas telonas.

2002
Espere um novo recorde de bilheteria em 2002. Quando menos porque será o ano em que assistiremos ao segundo capítulo de "Harry Potter" ("A Câmara Secreta") e de "O Senhor dos Anéis" ("As Duas Torres").
Mas também porque um dos truques mais caros a Hollywood -a continuação- dominará boa parte das telas neste ano. Assim, ganham roupa nova sucessos como "Austin Powers", "MIB -Homens de Preto" e, é claro, o pai de todos os arrasa-quarteirões: "Star Wars". Seu "Episódio 2 - O Ataque dos Clones" estréia nos EUA em maio.


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