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Abrindo feridas
Divulgação
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Os atores Matías Quer, Manuela Martelli e Ariel Mateluna em cena do longa "Machuca", com direção do chileno Andrés Wood |
Candidato ao Oscar, Andrés Wood retrata o golpe militar chileno a partir de dois jovens amigos
LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REDAÇÃO
Um garoto riquinho e despolitizado vê seu colégio em Santiago
do Chile ser invadido por estudantes da periferia. A proposta
vem do diretor da escola, um padre americano com idéias liberais.
O menino, Gonzalo, acaba ficando amigo de um dos "pobretões",
Pedro -o Machuca do título do
filme é seu sobrenome-, que,
ainda por cima, é comunista.
Em cinco dias, juntos descobrirão os prazeres do início da puberdade, enquanto observam o
país afundar numa crise política
que culminará no golpe militar de
73, derrubando Salvador Allende
e instaurando a ditadura de Augusto Pinochet por quase 20 anos.
"Sempre houve um grande preconceito com relação a cinema
político no Chile. E também uma
espécie de autocensura, por ser
um tema que até hoje racha o país
ao meio", conta o diretor Andrés
Wood, 39, que criou "Machuca" a
partir de sua própria experiência
na infância. "Eu era uma espécie
de Gonzalo", conta à Folha em
entrevista por telefone.
Candidato à vaga no Oscar, o
longa teve sua carreira catapultada pelos recentes eventos reais no
país: o processo contra Pinochet e
a divulgação de um informe atestando a existência de tortura pelo
Exército.
No Brasil, o filme começa a ser
exibido amanhã em pré-estréias
em São Paulo. Na segunda, Wood
estará presente em sessão aberta e
gratuita no Espaço Unibanco.
O diretor, que tem em seu currículo apenas mais três longas
-"Febre do Loco" (2001), que
saiu direto em DVD no Brasil, "El
Desquite" (99), inédito por aqui, e
"Historias de Fútbol" (97)-, fala
a seguir sobre o atual momento
político de seu país e a corrida rumo ao Oscar.
Folha - O que acha do processo
contra Pinochet?
Andrés Wood - Eu acho muito
importante para a história de nosso país que se possa julgar Pinochet independentemente se ele vá
poder pagar suas culpas na prisão
ou não. Para o bem de nossa sociedade, creio que Pinochet entrará para a história como o ditador
criminoso e covarde que foi.
Folha - O que pensa da divulgação do informe sobre a existência
de tortura durante a ditadura?
Wood - Acho que é um documento histórico que abre definitivamente os olhos das pessoas que
não acreditavam nas atrocidades
cometidas pela ditadura. Destaco
a atitude valente do Exército e das
Forças Armadas em geral, ao assumir a sua responsabilidade nos
atos violentos, e seu compromisso de que eles não voltem a ocorrer. Sinto falta de uma atitude parecida por parte dos civis que participaram daquele governo.
Folha - Por que filmar uma história sobre a ditadura chilena agora?
Wood - E por que não? Quando
deveria tê-la contado? Será que é
muito tarde? [risos] Acho que
não. Mas não sou o primeiro a
tratar desse tema. Durante o período de exílio, se fez cinema, de
alguma maneira. O meu filme é
um dos primeiros que tocam no
tema voltando à época do governo Allende. Isso se deve a dois fatores principais: o primeiro é o
preconceito com relação ao cinema relacionado com esses anos
ou com política. Há um pensamento de que esse tipo de filme
não levaria ninguém ao cinema. O
segundo é que também há, por
um lado, uma espécie de autocensura, por ser um tema difícil e que
até hoje divide ao meio o país. Os
chilenos têm muito em comum
entre si quando se olha para frente; se voltamos a 1973, a sociedade
fica rachada na metade. Quando
decidimos que o ponto de vista
seria o das crianças, nos atrevemos a fazer o filme.
Folha - É por isso que a história é
narrada da visão das crianças?
Wood - Exatamente. Foi uma
restrição que nos deu liberdade.
Folha - Como chegou à história?
Wood - É um roteiro feito a seis
mãos. A história nasceu de minha
experiência escolar. Vivi algo similar aos meninos de "Machuca",
com um padre parecido inclusive,
em um colégio de classe média-alta em Santiago, onde foram colocados alguns garotos vindos de favelas. O colégio sofreu intervenção dos militares, alguns sacerdotes foram expulsos. Essa foi a gênese do projeto. O escritor chileno
Roberto Brodsky e o inglês Mamoun Hassan assinam comigo
esse roteiro tão pessoal.
Folha - Mas você era Pedro Machuca ou Gonzalo Infante?
Wood - Eu era Gonzalo. Vi os
meninos chegarem à minha escola, e isso foi muito marcante.
Folha - Como você acredita que
seu filme vai ser visto fora do Chile?
Wood - Conta a favor não ser necessário saber muito da história
chilena para entrar no filme. É feito a partir das emoções dos meninos, e isso é bastante universal.
Folha - Você crê que atualmente
há uma abertura para o cinema latino em geral no mundo?
Wood - Sim, sem dúvida. E para
isso contribuiu muito a produção
brasileira, argentina e mexicana.
Nós, chilenos, estamos nos aproveitando disso. Se não houvesse
"Cidade de Deus", "Amores Brutos", "E Sua Mãe Também", "Machuca" talvez não existiria nem teria o interesse atual.
Folha - "Machuca" se parece com
outros filmes da "buena onda"?
Wood - Sim e não. Sim, porque
são feitos a partir de uma espécie
de ideologia. Mas "Machuca" trata de uma América Latina mais
pessoal, assim como o Chile também tem suas particularidades.
De certa forma, esses filmes todos
correspondem a uma certa maneira de fazer cinema.
Folha - Está num novo projeto?
Wood - Ainda não 100%. Estamos vendo o que fazer e aproveitando o sucesso.
Folha - Acha que "Machuca" tem
chances no Oscar?
Wood - Estamos construindo
-ou reconstruindo- a cinematografia no Chile ainda, voltando
aos poucos a existir. Durante 20
anos, quase não se produziu cinema no Chile. Estamos entrando
no circuito. Estar na briga para as
indicações já é uma quimera quase. Mas achamos que podemos
disputar. É um passo muito importante para o Chile.
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