São Paulo, sexta-feira, 07 de janeiro de 2011

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Editora altera clássico de Mark Twain

Nova edição de "As Aventuras de Huckleberry Finn" troca o termo "nigger", considerado ofensivo aos negros, por "slave"

Especialista que sugeriu substituição diz que intenção não é sanear o livro, mas reabilitá-lo aos currículos escolares

JULIE BOSMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Alguma coisa está faltando em uma nova edição de "As Aventuras de Huckleberry Finn" (1884).
Ao longo do livro, por 219 vezes, a palavra "nigger" [algo como crioulo] foi substituída por "slave" [escravo], por decisão da editora NewSouth Books, sediada no Alabama, que planeja lançar a nova versão do romance em fevereiro.
Alan Gribben, professor de inglês na Universidade Auburn, em Montgomery, Alabama, procurou a editora e propôs a ideia, em julho.
Gribben disse na terça-feira que leciona sobre Mark Twain (1835-1910) há décadas, e que sempre hesita antes de ler em voz alta o termo "nigger", um epíteto racial usado com frequência no livro, em reflexo das atitudes sociais prevalecentes na metade do século 19.
"Logo que concluí minha pós-graduação, na Universidade de Berkeley, me vi não querendo pronunciar aquela palavra, quando estava lecionando sobre "As Aventuras de Huckleberry Finn" ou "As Aventuras de Tom Sawyer'", disse. "Não acho que isso aconteça só comigo."
Gribben, que combinou "Huckleberry Finn" e "Tom Sawyer" em um único volume e também escreveu uma introdução aos textos, se diz preocupado por "Huckleberry Finn" ter sido excluído das listas de leitura escolares e que seu objetivo era oferecer uma edição não aos estudiosos, mas aos leitores jovens e ao público geral.
"Não quero de maneira alguma sanear Mark Twain", disse Gribben. "A crítica social aguçada continua lá. O humor está intacto. Só tive a ideia de nos afastar da obsessão com aquela palavra específica, e deixar que as histórias falem por si." (O livro também substituiu "injun" por "Indian" [índio].)

FÚRIA
Desde que a editora discutiu o plano de lançar o livro, em reportagem publicada esta semana pela revista "Publishers Weekly", vem recebendo e-mails e telefonemas desfavoráveis, disse Suzanne La Rosa, cofundadora e diretora editorial da NewSouth Books.
"Caso nossa publicação fomente uma boa discussão sobre a maneira pela qual a linguagem afeta o aprendizado, e certamente sobre a natureza da censura, os resultados terão sido bons."
A notícia deflagrou uma tempestade de comentários furiosos on-line, com a editora sendo criticada por "censura" ou "correção política", ou simplesmente pela percepção de que pecou ao alterar as palavras de um ícone literário. Os admiradores de Mark Twain fizeram de sua extensa "Autobiography of Mark Twain", relançada no ano passado, um best-seller.
A tiragem inicial planejada para o "Aventuras de Huckleberry Finn" revisado é de 7,5 mil exemplares. A tiragem em papel deve sair em fevereiro, e uma edição digital pode estar à venda já na semana que vem.
Gribben disse que até o momento nenhuma escola expressou interesse em adotar seu livro e tampouco informou sobre a faixa etária para a qual acredita que a edição seja apropriada.
Na introdução, porém, ele afirma que "mesmo em nível universitário e de pós-graduação, há alunos capazes de se ressentir de encontros textuais com essa designação racial".
La Rosa disse que a editora tinha pedidos de pré-publicação vindos de cadeias de livrarias como a Barnes & Noble e a Borders e que antecipava mais pedidos vindos de escolas e bibliotecas.
Alguns professores de inglês se mostravam menos que entusiásticos ante a ideia de sanear um clássico.
"Nada em "Huck Finn" me ofende", disse Elizabeth Absher, professora de inglês na South Mountain High School, no Arizona. "Sou grande fã de Mark Twain e ouço coisas muito piores nos corredores da escola."
Absher usa os contos de Twain em seu curso, e indica "Huck Finn" aos alunos, ainda que não ensine sobre o livro porque ele é longo demais e não por conta da linguagem utilizada. "Creio que a linguagem que um autor emprega não deveria ser alterada", disse.
"Caso seja ofensiva demais, o lugar do livro não é nas escolas, mas se ele expressa a maneira pela qual as pessoas se sentiam sobre raça e escravidão, no contexto de sua era, isso é algo sobre que eu falaria ao lecionar sobre o livro."

Tradução de PAULO MIGLIACCI.


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