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TV/CRÍTICA
"Porto dos Milagres" agrega clichês bem-feitos
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um primeiro capítulo cinematográfico abriu "Porto
dos Milagres", a nova novela das
oito. A produção lembra "Roque
Santeiro", também adaptada por
Aguinaldo Silva. "Porto dos Milagres" realiza com esmero as convenções de um gênero que há
muitos anos monopoliza a inventividade da TV brasileira. "Porto
dos Milagres" estreou marcando
a diferença com "Laços de Família". Longe da trama hospitalar, o
novo seriado abriu com cenas de
suspense e perseguição mafiosa
na Europa.
Há novelas comédia, novelas
tragédia, novelas high-tech, novelas com efeitos especiais, novelas
família, novelas baixaria, novelas
urbanas, novelas rurais. As novelas baseadas em adaptações literárias carregam uma certa nobreza,
elas emprestam a legitimidade do
romance escrito, estimulam a leitura e a venda de livros.
"Porto dos Milagres" é mais
uma homenagem a Jorge Amado,
autor que inspirou algumas das
obras-primas do gênero -como
"Gabriela", adaptada por Walter
Durst-, escritor de formação de
esquerda, consagrado no Brasil e
no exterior pela sensibilidade de
suas histórias sensuais da Bahia.
Variam as épocas, os lugares, os
personagens, mas as convenções
da narrativa visual e dramática se
mantêm. Uma versão competente
consegue inventar uma trama diferente com os elementos que, de
tão familiares, são quase imperceptíveis, passam por desdobramentos naturais.
Primeiros capítulos são exemplares. Frequentemente a história
começa em terras distantes. O
passeio dos personagens em Nova York, Roma ou Sevilha permite
um exame turístico, voyeurístico.
Podemos apreciar as paisagens de
lá, ouvir um pouco de música local, lembrar "Carmen", sapateado
e castanholas. E é na travessia dessas figuras que vamos entrando
no cenário aonde a narrativa vai
se passar.
Vindos do exterior, os personagens de Antonio Fagundes e Cássia Kiss nos introduzem à vila de
"Porto dos Milagres", lugarejo
fantástico, entreposto de contrabando, onde os contrastes perversos que estruturam a sociedade
brasileira se manifestam de forma
privilegiada, quase cínica.
A senhora passeia de Mercedes
nas encostas quase que sem arruamento de um vilarejo aonde se
chega de barco. O castelo mourisco do "rei" do local se destaca na
paisagem, com seus adornos arabescos, suas fontes e que tais. A
narrativa é ponderada, focaliza
relações verdadeiras entre casais
enamorados.
Dos elementos que marcam
uma teledramaturgia rica em tramas em pequenas cidades nordestinas, ainda não apareceu o
padre. Na estréia, dias depois do 2
de fevereiro, a estrela foi Iemanjá,
deusa dos pescadores, que aqui se
dedicam a recolher carregamentos de mercadoria ilegal.
Aqui não há coronéis. O papel
do senhor rico, autoritário, mas
no fundo bom, é representado
por Bartolomeu Guerreiro, um
descendente de espanhóis que,
roubado pelo irmão sem caráter,
teve que reconstruir sua vida. Que
seu negócio seja o contrabando
parece não abalar a legitimidade
do personagem. A corrupção, de
tão escancarada, aparece normal.
As novelas consolidaram sua
popularidade em um período em
que conseguiam sintetizar o Brasil. A história recente do país desorganizou esses elementos, que
agora aparecem como representação pitoresca de algo que ainda
não encontrou -se é que vai encontrar- uma representação alternativa. O pitoresco pode ser
bem-feito, mantido o nível da realização inicial ao longo do trajeto.
Avaliação:
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