São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2004

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Caça às palavras

Setor de dicionários explode com o novo "Aurélio", volta da Larousse e obra "infinita" da Nova Fronteira

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Tem algo se mexendo na outrora tranqüila toca dos dicionários. E não é bicho pequeno, não. Um dos segmentos tradicionalmente mais estáveis do mercado editorial brasileiro, dominado por mais de 20 anos pelo "Aurélio", está passando por um de seus períodos de maior efervescência.
Uma movimentação que começou em 2001, com o lançamento do "Houaiss", e embalou no final de 2003, com a mudança do "Aurélio" da Nova Fronteira para o grupo educacional paranaense Positivo, terá nos próximos meses (e anos) um calendário repleto.
A temporada de caça foi aberta oficialmente há duas semanas. Foi quando a Nova Fronteira, que lançou o catatau de Aurélio Buarque de Holanda em 1975 e a publicou por 28 anos, fechou na surdina a compra do tradicional dicionário português "Caldas Aulete", de 200 mil verbetes (mesma quantidade do "Michaelis" -o "Aurélio" tem 160 mil e o "Houaiss", 228 mil).
O que poderia ser apenas a reedição revisada de uma obra de referência conhecida agora se insinua como apenas cocuruto de um monumental iceberg lingüístico.
"A compra do "Aulete" é parte de um projeto que temos de desenvolver, um banco de dados que tende a ser tão abrangente quanto a língua portuguesa em qualquer parte do mundo em todos os tempos", diz, sem meias palavras, Paulo Geiger. "É o ponto de partida, não de chegada."
Profissional experimentado da área de dicionários e enciclopédias, com passagens pela "Barsa", "Mirador", "Delta Universal", entre outras, o editor de obras de referência da Nova Fronteira afirma que o projeto é "ilimitado".
À frente da equipe de 25 pessoas, ele vem trabalhando no que chama "acervo totalizante da língua portuguesa", um enorme arquivo eletrônico de palavras, de onde poderiam ser feitos diversos modelos de dicionários -algo semelhante ao que faz o Instituto Antonio Houaiss, que a partir de uma base eletrônica organizou, para a editora Objetiva, livros de sinônimos e verbos, entre outros.
O primeiro fruto do novo projeto da Nova Fronteira, diz seu diretor-presidente, Carlos Augusto Lacerda, sai ainda no segundo semestre deste ano. O rebento ainda não tem nome certo. O título "Caldas Aulete", sobrenome do lexicógrafo que organizou a equipe que fez o "Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa" no final do século 19 -e que nem viu seu trabalho concluído-, não está descartado.
O primeiro formato da nova família de "pais-dos-burros", apelido que os próprios dicionários já registram para eles mesmos, deve ser o chamado "escolar", molde com mais liquidez nas livrarias e com maior saída nas gigantescas compras governamentais (foi este também o formato de estréia do "Aurélio" no grupo Positivo, lançado anteontem).
Mas o xodó da nova empreitada deve ser a sua versão eletrônica, que teria "atualização permanentemente". Esse caráter de "obra aberta", conceito emprestado de Umberto Eco, é o que faz do projeto, no entender de Lacerda, algo revolucionário. "Seguimos a infinitude da língua. A língua é viva."
E se ela não termina nunca por que é que todos resolveram se dedicar a ela hoje no Brasil, trabalhando em novos ou atualizados dicionários? Lacerda, que acompanha o ramo "dicionaresco" desde a versão do Aurélio de capa amarela, nos anos 70, tem diversas interpretações. Todas passam pela necessidade que cada empresa tem de criar alternativas para a retração do mercado em geral.
Mas a ebulição nesse segmento editorial, que inclui ainda novo dicionário em gestação pela francesa Larousse e mudanças nas famílias "Houaiss" e "Michaelis", certamente passaria, para Lacerda, pelo frenesi causado pelo anúncio, no início do segundo semestre de 2003, da saída do "Aurélio" da Nova Fronteira.
"Como o grupo Positivo não tem tradição no setor editorial, a percepção geral é de que vai se criar um vácuo na transição das obras que saem da Nova Fronteira e as que serão produzidas pelo grupo Positivo, que até hoje tinha foco no universo de alunos de suas próprias escolas, mas não no mercado", afirma o editor.
Oriovisto Guimarães, presidente do Positivo, indica que, se o grupo do Paraná não tem grande tradição no setor editorial, busca construir os alicerces dessa atividade justamente com o "Aurélio".
"Não há quem não tenha procurado no "Aurélio" o significado de algo. Esta obra de referência também será "referência do grupo" na relação com o mercado", afirma.
O tempo (substantivo masculino para a sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc., que envolve, para o homem, a noção de presente, passado e futuro) dirá.


Colaborou Mari Tortato, da Agência Folha, em Curitiba


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