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"A BATALHA DE TEBAS"
Nagib Mahfuz constrói épico nacionalista do Egito
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Nagib Mahfuz, 92, ganhador
do Nobel de Literatura em
1988, publicou mais de 30 romances, além de 14 volumes de contos.
É, com certeza, o mais importante
escritor egípcio de nossa era.
Em sua vasta obra, a crônica das
grandes cidades modernas convive com incursões à história antiga
e medieval de seu país.
"A Batalha de Tebas", que agora
chega ao Brasil em tradução direta do árabe, foi escrito em 1944 e
trata de um período crucial da
história do Egito, o da expulsão
dos hicsos, que ocuparam e governaram o país durante mais de
dois séculos em meados do segundo milênio antes de Cristo.
É um épico de grandes proporções, que começa com a conquista de Tebas (hoje Luxor), então
capital do sul do Egito, pelos hicsos, e termina mais de uma década depois, com a retomada da cidade pelos egípcios e a expulsão
definitiva dos invasores.
Heróis de três gerações povoam
essa epopéia egípcia: o rei Sekenen-Rá, morto em combate contra os hicsos na primeira batalha
de Tebas, seu filho Kamus e seu
neto Ahmus, comandante da vitória final.
Depois da morte de Sekenen-Rá, a família real foge para o sul e
se esconde em Nabata, na Núbia,
onde prepara sua revanche.
Aqui, a trama ganha um sabor
de fábula árabe: disfarçado de
mercador, o jovem Ahmus consegue furar o bloqueio entre a Núbia
e o Egito ocupado e passa a recrutar, dentro das fronteiras do império, egípcios dispostos a lutar
contra o domínio hicso.
Ao mesmo tempo, Ahmus conhece e se apaixona pela bela
Ameníridis, filha do rei inimigo.
Com isso, torna-se o único personagem propriamente trágico do
livro, pois é o único que se vê cindido entre o dever patriótico e o
desejo pessoal.
No mais, trata-se de uma narrativa caudalosa, de progressão linear, apresentada em terceira
pessoa por um narrador onisciente e banhada por uma luz uniforme, que não deixa nada na sombra. Um estilo ficcional que, na
grande divisão proposta por Eric
Auerbach, estaria muito mais
próximo do épico homérico do
que do épico bíblico.
Todos os personagens são
transparentes, praticamente desprovidos de ambigüidade, como
convém a uma epopéia patriótica
e maniqueísta. Os hicsos (com exceção de Ameníridis) são brutais,
pérfidos e feios. Os egípcios são
belos, nobres e corajosos.
A despeito dessa extrema simplicidade de exposição, a prosa de
Mahfuz é frondosa e colorida, plena de descrições vivazes e de pequenos incidentes que alimentam
a tensão do relato e a expectativa
por seu desenlace.
Seja como for, trata-se de uma
literatura completamente alheia
às conquistas e questionamentos
modernos propostos por um
Henry James, um James Joyce ou
um Marcel Proust. Não por acaso,
o autor que se costuma tomar como matriz da obra de Mahfuz é o
"pré-moderno" Dickens.
Desse ponto de vista, a prosa de
"A Batalha de Tebas" já tinha um
sabor fora de moda na própria
época em que foi composta. Mas
talvez fosse melhor dizer "fora do
tempo". E é desse viés atemporal
que vem o encanto desse livro que
se lê como uma antiga história de
aventuras.
Mas não tão fora do tempo assim. Se atentarmos para a época
em que o livro foi escrito, veremos
que o nacionalismo de Mahfuz tinha plena razão de ser: embora
nominalmente independente, o
Egito era dominado de fato desde
o século anterior pelos britânicos,
que durante a Segunda Guerra
Mundial usaram o país como base
militar estratégica contra os alemães.
A rememoração, em tom de
exaltado patriotismo, da expulsão
dos hicsos e da reconstituição do
império egípcio, devia calar fundo
nos sentimentos da população letrada do Egito sob dominação inglesa.
Essa circunstância ajuda a entender o aberto maniqueísmo do
livro, em que o governo dos hicsos é descrito como um Estado totalitário análogo ao nazismo alemão, enquanto a subordinação da
Núbia aos egípcios é vista como
colaboração entre dois povos
amigos.
Cabe lembrar que Mahfuz, nas
décadas seguintes, se revelaria um
inimigo tenaz do fundamentalismo islâmico. Por conta disso, foi
jurado de morte por extremistas
em 1989 e, cinco anos depois, sofreu um atentado no Cairo.
Ou seja, por mais que algumas
de suas histórias, como "A Batalha de Tebas" e "Noites das Mil e
uma Noites", sejam ambientadas
num passado remoto, Mahfuz é
um cidadão profundamente entranhado em seu tempo e em seu
país.
A Batalha de Tebas
Autor: Nagib Mahfuz
Tradução: Ibrahim Georges Khalil
Editora: Record
Quanto: R$ 42 (381 págs.)
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