|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.
Crítica/"Dois em Um"
Tépida, poesia de Ruiz une pop e racionalismo
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Dois em Um", de Alice Ruiz, reúne as
suas duas antologias saídas pela finada Brasiliense: "Pelos Pelos" (1984) e
"Vice Versos" (1988). Em geral,
Ruiz emprega versos livres, que
raramente ultrapassam oito sílabas. Predominam versos
brancos, mas com blocos rimados e ocorrência das chamadas
"rimas pobres", isto é, com terminações em "ão" e formas verbais infinitivas, além de repetições de termos idênticos ou de
mesma categoria gramatical.
Há forte presença de tercetos, que incluem índices das estações do ano, o que evidencia a
preferência de Ruiz pela composição à maneira do haikai.
Digo "à maneira", pois nos seus
haikais cabe a virtualidade metafórica, simbólica, e a alusão
sensual, estranhas à forma tradicional. Além disso, o aspecto
descritivo do haikai tradicional
cede seu lugar decisivo para a
agudeza verbal e as figuras de
linguagem.
Ao assumirem o primeiro
plano do poema, tais jogos de
palavras, de incidental inspiração concretista (mas sem o seu
sentido experimental ou de negação do verso), fazem prevalecer o lúdico, e mais ainda o pop.
A sintaxe direta, o vocabulário
informal, a gíria, o clichê reforçam tais efeitos. Nada os acentua tanto, porém, como o tema
das exigências do corpo e do tesão.
A poesia de Ruiz mescla, pois,
certo racionalismo construtivo
com algo do clima de "desbunde" e da poesia dita marginal, o
que resulta, por vezes, num curioso feminismo de viés sedutor (como na imagem exemplar
da "navalhanaliga"). Mais forte
nos poemas mais antigos, esse
traço híbrido não se apaga ao
longo do livro, mas se reduz face ao jogo esperto com as palavras. Ambos os aspectos talvez
ajudem a entender o vínculo da
poesia de Ruiz com a MPB, que
já lhe rendeu parcerias com
Itamar Assumpção, Arnaldo
Antunes, Zeca Baleiro etc.
A síntese do que digo é visível
já no primeiro poema do livro:
"O corpo cede/letras se sucedem/um verso doido aparece/
morrem todas as sedes/movem-se pedaços de preces/sobe-se por onde se desce". É isso:
o verso aparece como objeto final de um desejo que, nascido
no corpo, se contenta com as letras, na esperança de que sejam
mágicas.
Ruiz exibe domínio sobre os
meios de sua poesia, gerando
uma produção regular. O seu
traçado constante é a representação de uma vida que se quer
completa em amor, prazer, liberdade, arte, filhos e perdas,
mas que acaba por se assentar
num ladrilhar miúdo e decorativo. Quer dizer, se a vida aludida é intensa, a poesia é tépida.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
DOIS EM UM
Autora: Alice Ruiz
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 35 (208 págs.)
Avaliação: regular
Texto Anterior: Livros: Pesquisa analisa toda a obra infantil de Lobato Próximo Texto: Livros: Biografia conta a vida de "Forrest Gump" do rock Índice
|