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Austrália leva delicadeza ao Oscar
da Redação
Se não tivesse
outro mérito,
"Shine - Brilhante" valeria
pela relação que
cria entre música
e astrologia.
A música é a vida, a paixão, o
terror e a loucura
do pianista australiano David
Helfgott (Geoffrey Rush), um menino-prodígio que, a horas tantas,
sucumbe à pressão e tem um sério
colapso nervoso.
A astrologia vem da mulher que
conhece muito tempo depois, já
maduro, e a quem propõe casamento. Ela hesita. Ele diz: "Consulte os astros". Ela (que é astróloga) o faz e opta pelo casamento.
O misterioso encontro entre essas atividades tão diversas talvez
venha do fato de ambas serem regidas pela idéia de ritmo.
O som e os astros são ambos coisas móveis, flutuantes. Uma nota
ou um planeta não existem em si.
Tudo depende do que os astrólogos chamam de conjunção: a posição relativa é que determina o conjunto.
Música e astrologia têm em comum, ainda, a fragilidade. Como
tudo que depende da interpretação, vivem na corda bamba: se
acertam, vamos ao sublime; se erram, ao ridículo.
Ok, essas coisas podem ser ditas
de várias outras atividades, da
poesia ao trapézio. No caso de
"Shine", no entanto, a fragilidade é uma figura essencial na construção do filme. Ela já está em Peter (Armin Mueller-Stahl), pai do
pianista, que tem por mania criar
um filho "forte", "vencedor".
Peter não é movido pelo ideário,
tão norte-americano, da vitória.
Trata-se de um judeu sobrevivente
do Holocausto, para quem a força
é requisito de sobrevivência num
mundo infame.
Existe no pai uma demência básica que, a julgar pelo filme, afetará o filho de forma conflitante: impulsiona seu gênio musical, ao
mesmo tempo que tolhe seu desenvolvimento. Seu amor deriva
em hiperproteção; esta, em opressão febril.
Em todo caso, o essencial no filme de Scott Hicks não vem da ambiguidade da figura paterna, ou de
uma possível propensão psicótica
de David.
Cada traço de "Shine" chama a
atenção para a fragilidade da vida,
seu caráter transitório e precário.
Nesse sentido, não deixa de lembrar "O Piano" (1993), de Jane
Campion, outro filme australiano
delicado (e sobre a delicadeza).
Tem sobre este a vantagem de não
naufragar num final demagógico,
embora dê uma desnecessária derrapada sentimental.
Se "Shine" não chega ao Oscar
como favorito, é menos por seus
possíveis (e poucos) defeitos do
que por fazer acintosa propaganda
do tabagismo.
Esse pecado talvez involuntário
-mas capital para os padrões
atuais dos EUA- deve-se mais ao
personagem. Helfgott é um fumante inveterado: é capaz, quando alguém lhe dá uma carona, mas
diz que não suporta cigarro, de
sair do carro e seguir a pé.
Não é uma atitude do filme. Momentos assim dizem respeito à dificílima sociabilidade do pianista.
Dela, no mais, o ator Geoffrey
Rush se desempenha de forma notável. Inferior, apenas, à discrição
que Armin Mueller-Stahl usa para
dar conta do complexo personagem do pai.
Nisso, e em vários outros aspectos, "Shine" é quase a exceção de
um Oscar cheio de mediocridades.
(IA)
Filme: Shine - Brilhante
Produção: Austrália, Inglaterra, 1996
Direção: Scott Hicks
Com: Geoffrey Rush, Armin Mueller-Stahl
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes sala Carmem Miranda, Calcenter,
Morumbi 5 e circuito
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