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CINEMA
"O HOMEM SEM PASSADO"
Produção concorre ao Oscar de filme estrangeiro
Cinema fica em primeiro plano em melodrama de Kaurismäki
Divulgação
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Aki Kaurismäki, diretor de "O Homem sem Passado", sobre um homem acometido por amnésia que vai morar no subúrbio de Helsinque |
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Uma moça do Exército da Salvação (como não lembrar
do papel de Jean Simmons em
"Guys and Dolls", o único musical de Mankiewicz?) e um homem
desmemoriado, personagem clássico por excelência: este "O Homem sem Passado" -que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro- é, como todo filme de
Aki Kaurismäki, uma espécie de
melodrama social hollywoodiano
filmado por um cineasta moderno e antimelodramático, como se
Robert Bresson dirigisse um filme
de Douglas Sirk.
Kaurismäki não é um "homem
sem passado": ele traz consigo toda a história do cinema. Mais do
que cinéfilo, é um "cinefilho",
mais do que um autor pós-moderno, um pós-autor moderno.
Na sua "trilogia proletária", afirmando-se como o mais aplicado
discípulo de Bresson, com seu estilo álgido-minimalista, em que a
economia surgia tanto como virtude estética quanto como moral,
Kaurismäki deu novo sentido ao
automatismo bressoniano.
Os personagens de Kaurismäki
eram autômatos, desumanizados
pelo trabalho. Em sua trilogia
("Sombras no Paraíso", "Ariel" e
"A Garota da Fábrica de Fósforos"), o proletariado não surgia
como instância coletiva, mas representado por indivíduos que,
de tão alienados pelo trabalho,
pareciam despossuídos de si mesmos, proletarizados no espírito.
Os filmes e os autômatos proletários de Kaurismäki, lacônicos
como eles só, eram também a
prova de que já não cabia nenhum discurso ao cinema social.
Seus heróis são afetados tanto pelas intempéries sociais quanto pelo amor, mas o cineasta, averso a
emoções baratas, só filma esses
eventos para dissecá-los. Kaurismäki preferia chamar seus filmes
proletários de "trilogia dos vencidos". Quando seus personagens
deixaram de ser operários, tornaram-se sub e desempregados, biscateiros, boêmios e, agora, sem-teto. O curioso é que o processo
de progressiva depauperação dos
personagens não veio acompanhado pelo desencanto do autor.
Após terminar sua trilogia, no auge da amargura, ele passou a redescobrir, em filmes primorosos
como "La Vie de Bohème" e este
"O Homem", o encanto próprio
da vida simples e solidária -a solidão já não era a condição dos
vencidos. Mesmo esse encanto,
em Kaurismäki, tem sua origem
cinefílica: não é mais do que uma
remanência de certo ideal popular próprio do cinema clássico dos
anos 30, seja o de Capra, seja o de
Renoir. Afinal, o cinema e sua história estão sempre em primeiro
plano nos filmes de Kaurismäki.
O Homem sem Passado
Mies vailla Menneisyyttä
Direção: Aki Kaurismäki
Produção: Finlândia/França/Alemanha,
2002
Com: Markku Peltola e Kati Outinen
Quando: a partir de hoje nos cines
Espaço Unibanco 2, Frei Caneca
Unibanco Arteplex 5, Jardim Sul 10
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