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MÚSICA
Coleção reedita álbuns lançados pelo sambista entre 1975 e 1986
Pacote de dez CDs recria a criação de Martinho da Vila
DA REPORTAGEM LOCAL
A BMG completa, afinal, a
reedição do catálogo em seu
poder do sambista fluminense
Martinho da Vila, 65, que vinha
relançando em pílulas ao longo
dos últimos anos.
O novo pacote, de dez CDs editados individualmente, abrange
toda a produção do artista entre
81 e 87 (quando saiu da gravadora), mais três títulos esparsos de
75, 77 e 79. Exceto pelo clássico
"Maravilha de Cenário" (75), já
não abrange seu auge criativo,
mais concentrado nos LPs iniciais
(69-73) e no espetacular "Canta,
Canta, Minha Gente" (74).
Aqueles compreendiam a chegada tardia ao disco de Martinho,
que antes atuara como sargento
do Exército, enquanto compunha
samba-enredo para sua Unidos
de Vila Isabel. Só conseguiu entrar de vez no elenco MPB ao se
integrar à era dos festivais.
"Maravilha de Cenário" é o momento seguinte ao sucesso das tão
populares como sofisticadas
"Disritmia" e "Canta, Canta, Minha Gente". O ponto de apoio era
"Aquarela Brasileira", de Silas de
Oliveira, que só deu o quarto lugar ao Império Serrano em 64,
mas se tornou com o tempo (e a
ajuda de Martinho) um dos mais
celebrados da história já morta
dos grandes sambas-enredos.
A partir da aquarela, Martinho
traçava um passeio por gêneros
populares nacionais, visitando o
sertão nordestino, o frevo pernambucano de salão e o folclore
gaúcho. O samba bem carioca era
reservado a uma rara parceria
com seu antípoda Paulinho da
Viola ("Maré Mansa") e à misoginia de "Você Não Passa de uma
Mulher", a cara de Martinho.
Dois anos mais tarde, procurou
reproduzir a fórmula bem-sucedida de passeio pelas riquezas
brasileiras, em "Presente".
O projeto era de traduzir aos
anos 70 a estratégia já antiga de
integração brasileira via nacionalização do samba carioca, que
aqui aparecia firme nos textos de
"Vai ou Não Vai" (em estrutura
de partido-alto), "As Festas" (em
samba-enredo) e outras. Sucesso
especial faria a fazendeira "Oi,
Compadre" -apesar da força
evidente do disco, o projeto nacionalista já não se ajustava tanto
às vestes universalistas dos 70.
Martinho mudou de projeto em
"Terreiro, Sala e Salão" (79), trocando o Brasil pelo samba propriamente dito e dividindo o LP
em terreiro (partidos-altos e sambas de fundo de quintal), sala
(samba-canção) e salão (antigas
marchinhas carnavalescas). Os
dois primeiros se intrometiam
um no outro, rendendo os sucessos "Deixa a Fumaça Entrar", "No
Embalo da Vila" e o protesto social "Assim Não, Zambi".
"Sentimentos" (81) marcou um
período de sedimentação das
qualidades musicais de Martinho,
reunindo um elenco impressionante de instrumentistas, do antigo Radamés Gnattali ao jovem
Raphael Rabello, passando por
Paulo Moura e Rosinha de Valença. Brilhavam "Ex-Amor" e uma
parceria afiada com João Donato,
"Daquele Amor, Nem me Fale".
"Verso... ...Reverso" (82) enriqueceu a parceria com Donato
("Gaiolas Abertas") e invadiu o
samba praieiro ("Cirandar"),
com um tiquinho mais da misoginia reservado a "De Pai pra Filha".
Se "Novas Palavras" (83) passava em nuvens meio brancas,
"Martinho da Vila Isabel" (84) recuperou o amplo sucesso homenageando extensivamente o ancestral de vila Noel Rosa e fazendo
sucesso com a animada "Minha
Viola" e a belíssima "Pra Tudo se
Acabar na Quarta-feira".
"Criações e Recriações" (85)
partiu para alguma modernização desastrada, mas se safou na
divertida "Recriando a Criação"
("eu quero ser paizinho/ quero
ser filhinho...") e em "Odilê, Odilá", parceria com João Bosco.
A fase RCA se encerraria com
"Batuqueiro" (86) e "Coração
Malandro" (87). O primeiro tentava se modernizar atendendo à
temática mais grosseira do pagode de Bezerra da Silva, que ameaçava o partido-alto de veludo inventado por Martinho. O segundo procurava revalidar o mito do
malandro, de que talvez ele fosse
o último representante legítimo.
O mito já estava todo esburacado, mas Martinho da Vila, já sambista da antiga, seguiu tentando
recriar a criação.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Série RCA Original
Artista: Martinho da Vila
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 18, em média, cada CD (dez
títulos)
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