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São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2003

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MÚSICA

Coleção reedita álbuns lançados pelo sambista entre 1975 e 1986

Pacote de dez CDs recria a criação de Martinho da Vila

DA REPORTAGEM LOCAL

A BMG completa, afinal, a reedição do catálogo em seu poder do sambista fluminense Martinho da Vila, 65, que vinha relançando em pílulas ao longo dos últimos anos.
O novo pacote, de dez CDs editados individualmente, abrange toda a produção do artista entre 81 e 87 (quando saiu da gravadora), mais três títulos esparsos de 75, 77 e 79. Exceto pelo clássico "Maravilha de Cenário" (75), já não abrange seu auge criativo, mais concentrado nos LPs iniciais (69-73) e no espetacular "Canta, Canta, Minha Gente" (74).
Aqueles compreendiam a chegada tardia ao disco de Martinho, que antes atuara como sargento do Exército, enquanto compunha samba-enredo para sua Unidos de Vila Isabel. Só conseguiu entrar de vez no elenco MPB ao se integrar à era dos festivais.
"Maravilha de Cenário" é o momento seguinte ao sucesso das tão populares como sofisticadas "Disritmia" e "Canta, Canta, Minha Gente". O ponto de apoio era "Aquarela Brasileira", de Silas de Oliveira, que só deu o quarto lugar ao Império Serrano em 64, mas se tornou com o tempo (e a ajuda de Martinho) um dos mais celebrados da história já morta dos grandes sambas-enredos.
A partir da aquarela, Martinho traçava um passeio por gêneros populares nacionais, visitando o sertão nordestino, o frevo pernambucano de salão e o folclore gaúcho. O samba bem carioca era reservado a uma rara parceria com seu antípoda Paulinho da Viola ("Maré Mansa") e à misoginia de "Você Não Passa de uma Mulher", a cara de Martinho.
Dois anos mais tarde, procurou reproduzir a fórmula bem-sucedida de passeio pelas riquezas brasileiras, em "Presente".
O projeto era de traduzir aos anos 70 a estratégia já antiga de integração brasileira via nacionalização do samba carioca, que aqui aparecia firme nos textos de "Vai ou Não Vai" (em estrutura de partido-alto), "As Festas" (em samba-enredo) e outras. Sucesso especial faria a fazendeira "Oi, Compadre" -apesar da força evidente do disco, o projeto nacionalista já não se ajustava tanto às vestes universalistas dos 70.
Martinho mudou de projeto em "Terreiro, Sala e Salão" (79), trocando o Brasil pelo samba propriamente dito e dividindo o LP em terreiro (partidos-altos e sambas de fundo de quintal), sala (samba-canção) e salão (antigas marchinhas carnavalescas). Os dois primeiros se intrometiam um no outro, rendendo os sucessos "Deixa a Fumaça Entrar", "No Embalo da Vila" e o protesto social "Assim Não, Zambi".
"Sentimentos" (81) marcou um período de sedimentação das qualidades musicais de Martinho, reunindo um elenco impressionante de instrumentistas, do antigo Radamés Gnattali ao jovem Raphael Rabello, passando por Paulo Moura e Rosinha de Valença. Brilhavam "Ex-Amor" e uma parceria afiada com João Donato, "Daquele Amor, Nem me Fale".
"Verso... ...Reverso" (82) enriqueceu a parceria com Donato ("Gaiolas Abertas") e invadiu o samba praieiro ("Cirandar"), com um tiquinho mais da misoginia reservado a "De Pai pra Filha".
Se "Novas Palavras" (83) passava em nuvens meio brancas, "Martinho da Vila Isabel" (84) recuperou o amplo sucesso homenageando extensivamente o ancestral de vila Noel Rosa e fazendo sucesso com a animada "Minha Viola" e a belíssima "Pra Tudo se Acabar na Quarta-feira".
"Criações e Recriações" (85) partiu para alguma modernização desastrada, mas se safou na divertida "Recriando a Criação" ("eu quero ser paizinho/ quero ser filhinho...") e em "Odilê, Odilá", parceria com João Bosco.
A fase RCA se encerraria com "Batuqueiro" (86) e "Coração Malandro" (87). O primeiro tentava se modernizar atendendo à temática mais grosseira do pagode de Bezerra da Silva, que ameaçava o partido-alto de veludo inventado por Martinho. O segundo procurava revalidar o mito do malandro, de que talvez ele fosse o último representante legítimo.
O mito já estava todo esburacado, mas Martinho da Vila, já sambista da antiga, seguiu tentando recriar a criação.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Série RCA Original    
Artista: Martinho da Vila
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 18, em média, cada CD (dez títulos)



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