São Paulo, segunda-feira, 07 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

De volta à velha ordem

Divulgação
Stephen Morris, Bernard Sumner e Peter Hook, atual formação do New Order


Referência para bandas atuais e no epicentro do cenário musical internacional, New Order lança o álbum "Waiting for the Sirens" Call"

BEN THOMPSON
DO "INDEPENDENT"

Há uma canção em "Waiting for the Sirens" Call", o novo disco do "New Order", chamada "I Told You So". Começa com uma batida repetitiva de reggae capturada de uma rádio pirata que o líder e letrista Bernard Sumner ouvia em seu iate, no Caribe. A letra contém os versos "It's an occupation I don't like/ But it pays the rent and turns on the lights" [é uma ocupação de que não gosto, mas paga o aluguel e mantém as luzes acesas]. O cinismo corrosivo do músico já não causa estranheza entre os demais membros da banda.
"Bernard sempre diz essas coisas", ri seu parceiro Peter Hook, sujeito de natureza mais entusiástica, em um estúdio na fazenda do baterista Stephen Morris, em Macclesfield, no norte da Inglaterra. "Ele jamais vai admitir que se diverte com o que fazemos. No festival de jazz de Montreaux, ele conversava com Quincy Jones e dizia que só queria mesmo um emprego das nove às cinco em um banco", comenta Hook.
Há poucas bandas tão dedicadas como o New Order a solapar as lendas que as cercam, mas o fato é que poucas bandas têm tantas lendas a desmistificar. Sobreviver ao suicídio de seu vocalista original (e único), Ian Curtis, foi só o começo. O New Order deixou para trás as gélidas paisagens sonoras do Joy Division, a encarnação anterior do grupo, e chegou às paradas de sucesso nos anos 80.
E agora, quando se poderia esperar que eles estivessem prontos para desaparecer discretamente na noite, subitamente se encontram no epicentro de uma nova retomada musical. De fato, se fosse necessário escolher as duas bandas mais atuais do mundo no momento, a tentação de ignorar os rostos jovens dos indies e os rappers afeitos à vida nas ruas e optar pelo Joy Division e New Order seria muito forte.
O final dos anos 70 e o começo dos 80 no momento fornecem a base musical para a ascensão transatlântica de jovens bandas baseadas em guitarras oscilantes, mais ou menos como os anos 60 serviram para o britpop. Conseqüentemente, Sumner e Hook agora se vêem quase tão reverenciados por grupos como Interpol, Bloc Party e The Killers (cujo nome foi inspirado pelo grupo fictício que aparece no clipe "Crystal", canção que marcou a última reaparição do New Order, em 2001), quanto os Beatles e os Kinks o eram por Oasis e Blur.
A idéia de que subitamente pudessem se ver como detentores das chaves para o reino da música de 2005 é tão surpreendente para o New Order quanto para qualquer outro observador. "Parece bastante cruel", admite Stephen Morris, sujeito de modos agradáveis, pai de família, "que eu tivesse de esperar até essa idade para entrar na moda". Mas longe de se sentirem intimidados pelo interesse surgido após a representação cinematográfica da banda em "A Festa Nunca Termina" (2002), de Michael Winterbottom, ele e Hook decidiram "interpretar a tendência como cumprimento".
Com a beleza etérea de seus álbuns clássicos, "Unknown Pleasures" e "Closer", que se provou imune à passagem do tempo (o último e ainda comovente single da banda, "Love Will Tear Us Apart", foi merecidamente escolhido como um dos melhores dos últimos 25 anos no Brit Awards no mês passado), não surpreende que o Joy Division forneça agora a outras pessoas a mesma inspiração que seus membros um dia encontraram em Iggy Pop ou no Velvet Underground. Mas, em conversa com o sempre franco Sumner, fica claro que as raízes do célebre lado sombrio da banda estão fincadas mais fundo do que em simples coleções de discos.
"Como músico autodidata", explica ele, "você sempre será formado, em alguma medida, pelos discos que ouvia, mas acredito que o que realmente influenciou o Joy Division é o que acontecia em nossas vidas pessoais. Falando por mim", prossegue Sumner, "posso dizer que era muito infeliz no final da adolescência e começo da juventude, porque repentinamente minha família começou a passar por uma série de problemas de saúde".
"Foram provavelmente esses acontecimentos que deram origem ao meu modo sombrio, mas Hook também tinha problemas com sua família, e obviamente Ian tinha suas dificuldades... O estranho é", prossegue Sumner, "que jamais estudamos suas letras antes de ele morrer, porque elas nos pareciam perfeitamente normais. Ian era apenas outro carinha animado como nós todos". Ele ri diante da descrição implausível.
"Creio que alguma coisa na química especial que existia entre nós capturou o espírito da era", acrescenta Hook. "E era uma espécie de escuridão. Minha filha às vezes me diz que, na minha época, as coisas evidentemente eram em preto-e-branco. É mais ou menos assim que eu lembro de tudo."
Na primeira audição do novo álbum do New Order em um estúdio londrino, Sumner conduz todos à sala de mixagem para mostrar uma nova canção que contaria com a participação da cantora Ana Matronic, do Scissor Sisters.
O espantoso quanto ao New Order é que, embora a música devesse ser assombrada por fantasmas e lembranças, ela parece extrair energia desses espíritos. Talvez seja possível afirmar que, quando as letras de Sumner contém um "nebuloso" você, é a esses espíritos que elas são endereçadas.
De qualquer forma, "Waiting for the Sirens" Call" mostra um New Order miraculosamente renovado. Do beijo de marshmallow de "Krafty", o primeiro single, à faixa título, pulsante e densa, passando pelo improvável e hilário rock de garagem "Working Overtime", o novo álbum é o melhor da banda em 15 anos. "Não tivemos uma carreira entediante", diz Sumner. "Passamos por uma série de acontecimentos infelizes. Mas foram eles que criaram o que somos."

Tradução Paulo Migliacci


Texto Anterior: Televisão - Daniel Castro: Record prevê lucro pela 1ª vez em 2005
Próximo Texto: Crítica: No topo do pop, grupo mixa 2005 e 1985
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.