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Crítica/"Angel"
Ozon reproduz vida como extensão do sonho
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O primeiro espanto chega cedo, ainda nos créditos: "Angel" é a adaptação de um romance de Elizabeth Taylor. Não a atriz, mas
uma escritora inglesa (1912-1975). Durante todo o filme, no
entanto, é da atriz que nos lembraremos, pois é ao cinema dos
anos 40/50, às produções da
Metro e ao technicolor que somos remetidos. Tudo, em particular a música e a direção de arte, carregam esse esforço explícito de fazer "à maneira de".
A opção maneirista faz sentido, já que se trata, num primeiro nível, de relatar a vida de Angel Deverell, jovem pobre da
Inglaterra que vira da noite para o dia um fenômeno literário
tipo Paulo Coelho nos anos que
antecedem a Primeira Guerra.
Angel é um caráter forte: diz
o que pensa, vai atrás do que
quer, nunca recua. O sucesso
precoce premiará sua imaginação fértil e romântica, mas em
que a intuição supera o trabalho intelectual. Suas qualidades
a levarão a possuir Paradise, a
propriedade que ambicionara
na infância, e a casar com Ermé, o homem que deseja.
Já dá para notar a proximidade entre essa história e certas
antigas produções hollywoodianas. Daqui por diante, talvez
seja o caso de acentuar as diferenças, o que faz de "Angel" um
filme, afinal, contemporâneo.
Angel Deverell tem o lado autista acentuado. Como percebe
Ermé, ela faz sucesso porque se
relaciona consigo mesma, não
com seus leitores. O tempo
mostrará que Angel só vê e
aceita o mundo como extensão
de seus desejos. Esse jeito Scarlett O'Hara levará Ozon a acentuar o lado melodrama romântico de "Angel" e propiciará
uma descrição original da vida
inglesa no início do século, em
contraste com a reconstituição
de época convencional dos filmes de costumes britânicos.
O interesse do filme, porém,
não vem daí, mas do tipo de vida dupla que leva Angel Deverell. Como a imaginação determina seu sucesso e, em grande
medida, seu destino, há aí uma
incidência do mundo imaginário sobre o real. O "mundo de
sonhos" que nos prometiam os
filmes de Hollywood (por duas
horas) é aquele em que Angel
viverá em tempo integral.
Está certo que, mais tarde,
ela poderá perguntar se viveu o
real ou o imaginário. De certa
forma é o que o filme diz: talvez
a vida não seja mais que um sonho. Pode ser que a idéia reproduza mais o conformismo
hollywoodiano que as questões
com que um Borges duplicava a
percepção do mundo, mas é levada com convicção -e rende
duas horas de entretenimento.
ANGEL
Produção: Inglaterra/Bélgica/França
Direção: François Ozon
Com: Romola Garai, Charlotte Rampling e Lucy Russell
Onde: em cartaz nos cines Espaço Unibanco, Reserva Cultural e circuito
Avaliação: bom
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