São Paulo, sábado, 07 de março de 2009

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Crítica/"Primavera num Espelho Partido"

Benedetti registra em obra algo que se perdeu

CAROLA SAAVEDRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A literatura de Mario Benedetti, poeta, escritor e ensaísta uruguaio, está diretamente ligada à sua biografia, principalmente às suas posições políticas, que o levaram a um exílio de 12 anos durante a ditadura no Uruguai.
Benedetti deixou o país em 1973, voltando em 1985; nesse período, passou por diversos países, entre eles Argentina, Cuba e Espanha. É essa experiência que vai marcar os rumos da sua obra, tanto o exílio como o "desexílio", palavra inventada por ele para se referir ao processo de readaptação dos exilados ao voltar para casa.
"Primavera num Espelho Partido", romance de 1982 lançado agora no Brasil, é construído a partir de diferentes vozes que, qual um mosaico, pouco a pouco revelam a história e seus personagens. Santiago, homem culto e ativista politico, é preso e torturado. Quando a narrativa se inicia, ele está há mais de quarto anos na prisão. Graciela, sua mulher, tem de exilar-se com a filha, Beatriz, e o sogro, dom Rafael. Torna-se secretária e tenta refazer a vida. Apesar de ter formado com Santiago um casal perfeito, percebe que o tempo e a distância os afastam, e que ela, de tanto viver longe, já não precisa mais dele.
A narrativa apresenta cinco perspectivas diferentes: as cartas que Santiago escreve à sua mulher da prisão. O cotidiano de Graciela e da filha do casal. O monólogo do pai de Santiago. A perspectiva de Rolando Austero, amigo de Santiago, que acaba se envolvendo com a Graciela. As redações que Beatriz escreve para o colégio. Somam-se a isso os capítulos em itálico, que, sem ter relação direta com a história, narram em primeira pessoa as experiências do próprio Benedetti no exílio.

Microcosmo
O autor escolhe o microcosmo da família e dos desencontros amorosos para falar do Uruguai, do golpe militar e da forma como os acontecimentos políticos afetaram o país. O título "Primavera num Espelho Partido" faz referência à "Ode à Primavera", de Pablo Neruda, poema em que a estação surge como metáfora de justiça social, e que questiona: "Primavera para que serves/ a quem serves". O mesmo questionamento se faz Santiago em seu monólogo no avião que o leva para fora do país e ao encontro da família.
O que lhe reservará a primavera depois de um longo inverno?, especula, comparando-a a um espelho com uma ponta quebrada. Há algo que falta, que já não é possível reconstruir. Para o personagem, assim como para o país, há um inverno que persiste.
Ao leitor, resta uma sensação semelhante. Algo se perdeu e já não há como recuperar. No caso do romance de Benedetti, fica a sensação de que na literatura, assim como na história, o espelho também se partiu. Benedetti pertence a uma geração de escritores que acreditava num papel politico para a literatura. Os rumos da história, porém, foram outros. Resta agora, talvez, procurar outras imagens, outros reflexos.

CAROLA SAAVEDRA é escritora e tradutora, autora de "Toda Terça" e "Flores Azuis" (ambos pela Companhia das Letras).


PRIMAVERA NUM ESPELHO PARTIDO
Autor: Mario Benedetti
Tradução: Eliana Aguiar
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 35,90 (224 págs.)
Avaliação: bom



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