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Crítica/"Primavera num Espelho Partido"
Benedetti registra em obra algo que se perdeu
CAROLA SAAVEDRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A literatura de Mario Benedetti, poeta, escritor
e ensaísta uruguaio, está diretamente ligada à sua biografia, principalmente às suas
posições políticas, que o levaram a um exílio de 12 anos durante a ditadura no Uruguai.
Benedetti deixou o país em
1973, voltando em 1985; nesse
período, passou por diversos
países, entre eles Argentina,
Cuba e Espanha. É essa experiência que vai marcar os rumos da sua obra, tanto o exílio
como o "desexílio", palavra inventada por ele para se referir
ao processo de readaptação dos
exilados ao voltar para casa.
"Primavera num Espelho
Partido", romance de 1982 lançado agora no Brasil, é construído a partir de diferentes vozes que, qual um mosaico, pouco a pouco revelam a história e
seus personagens.
Santiago, homem culto e ativista politico, é preso e torturado. Quando a narrativa se inicia, ele está há mais de quarto
anos na prisão. Graciela, sua
mulher, tem de exilar-se com a
filha, Beatriz, e o sogro, dom
Rafael. Torna-se secretária e
tenta refazer a vida. Apesar de
ter formado com Santiago um
casal perfeito, percebe que o
tempo e a distância os afastam,
e que ela, de tanto viver longe,
já não precisa mais dele.
A narrativa apresenta cinco
perspectivas diferentes: as cartas que Santiago escreve à sua
mulher da prisão. O cotidiano
de Graciela e da filha do casal. O
monólogo do pai de Santiago. A
perspectiva de Rolando Austero, amigo de Santiago, que acaba se envolvendo com a Graciela. As redações que Beatriz escreve para o colégio. Somam-se
a isso os capítulos em itálico,
que, sem ter relação direta com
a história, narram em primeira
pessoa as experiências do próprio Benedetti no exílio.
Microcosmo
O autor escolhe o microcosmo da família e dos desencontros amorosos para falar do
Uruguai, do golpe militar e da
forma como os acontecimentos
políticos afetaram o país.
O título "Primavera num Espelho Partido" faz referência à
"Ode à Primavera", de Pablo
Neruda, poema em que a estação surge como metáfora de
justiça social, e que questiona:
"Primavera para que serves/ a
quem serves". O mesmo questionamento se faz Santiago em
seu monólogo no avião que o leva para fora do país e ao encontro da família.
O que lhe reservará a primavera depois de um
longo inverno?, especula, comparando-a a um espelho com
uma ponta quebrada. Há algo
que falta, que já não é possível
reconstruir. Para o personagem, assim como para o país, há
um inverno que persiste.
Ao leitor, resta uma sensação
semelhante. Algo se perdeu e já
não há como recuperar. No caso do romance de Benedetti, fica a sensação de que na literatura, assim como na história, o
espelho também se partiu. Benedetti pertence a uma geração
de escritores que acreditava
num papel politico para a literatura. Os rumos da história,
porém, foram outros. Resta
agora, talvez, procurar outras
imagens, outros reflexos.
CAROLA SAAVEDRA é escritora e tradutora,
autora de "Toda Terça" e "Flores Azuis" (ambos
pela Companhia das Letras).
PRIMAVERA NUM ESPELHO
PARTIDO
Autor: Mario Benedetti
Tradução: Eliana Aguiar
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 35,90 (224 págs.)
Avaliação: bom
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