São Paulo, sábado, 07 de março de 2009

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RODAPÉ LITERÁRIO

Negação da eternidade


"Réquiem", mais recente livro de Lêdo Ivo, lançado em 2008, é uma guinada crepuscular na obra do poeta alagoano


MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

LANÇADO EM 2008, o livro "Réquiem", do poeta alagoano Lêdo Ivo, acaba de receber o prêmio Casa de las Américas, promovido em Cuba. O título crepuscular e de ressonâncias religiosas, remetendo à missa dos mortos da liturgia cristã, parece indicar o resumo da obra desse escritor nascido em 1924.
Mas, como é natural num poeta de trajetória tão longa, a síntese acaba sendo parcial -em benefício desse livro, que associa a escrita opulenta (marca de sua poética) a uma temática negativa, mortuária (que dá medida de contenção a seu pendor celebratório). O nome de Lêdo Ivo vem normalmente associado à Geração de 45, uma reação ao modernismo paulista que procurava restaurar as formas fixas e um cânone anterior à cisão (operada pelos vanguardistas) entre a tradição lírica lusitana e o rebaixamento irônico do lirismo (ou antilirismo) brasileiro.
Na orelha de "Réquiem", aliás, há uma divertida referência ao fato de que, sendo Lêdo Ivo um "descendente" dos índios caetés que devoraram o bispo Sardinha em Alagoas no século 16 (episódio evocado por Oswald de Andrade no "Manifesto Antropófago"), ele poderia "zombar dos pálidos modernistas de 1922, a seu ver meros antropófagos de papel".
Provocações à parte, se Lêdo Ivo está muito distante do espírito de insubordinação modernista, também se diferencia do rigor da Geração de 45. Um de seus livros mais conhecidos é "Acontecimento do Soneto" (1948) e vários poemas seguindo essa forma fixa aparecem nas coletâneas do autor. O que melhor caracteriza sua poética, contudo, é a escrita torrencial, de uma oralidade não raro desmedida.
"Sem o sublime, que é o poeta?", escreve ele em "Descoberta do Inefável" (do livro "Ode e Elegia"), numa busca de transcendência que deixará de ser tão ingenuamente romântica em livros de maturidade como "Linguagem" (1951) e "Finisterra" (1972). É com estes últimos que "Réquiem" deve ser contrastado. Pois se em "Finisterra" o retorno ao solo natal vem contaminado pela ideia da corrosão da existência, Ivo ainda celebra a eternidade possibilitada pela poesia.
Já em "Réquiem", o retorno à paisagem primordial se dá sob o signo da morte e cancela qualquer ilusão: "Diante do estaleiro apodrecido/ só vislumbro o estilhaço/ que sobrou das iluminações".
O livro (pontuado por pinturas de seu filho Gonçalo Ivo) descreve "um longo caminho entre dois nadas", a navegação rumo ao fim de um "barco sem barqueiro". Em franca oposição ao sentido religioso de parte da poesia de Lêdo Ivo, "Réquiem" preserva o que esta tem de melhor: o ritmo dissoluto e as imagens violentas -agora a serviço da negação da eternidade.


RÉQUIEM
Autor: Lêdo Ivo
Editora: Contra Capa
Quanto: R$ 38 (64 págs.)
Avaliação: bom



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