São Paulo, sábado, 7 de março de 1998

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Uma atriz apaixonada

MARCELO REZENDE
da Reportagem Local

Ninguém entende melhor o significado da trajetória de Darlene Glória do que ela mesma: "Eu era a Vera Fischer da época", diz. Equipara o seu grau de afronta à moral de uma outra. As duas belas, talentosas e certamente selvagens.
Mas o tempo que as separa é também a distância de um país. Darlene estava quase solitária nos 70. Sua atitude era libertária em situação política que recusava isso. O mundo oferecia feminismo e contracultura e o Brasil contava com estabilidade.
As pessoas a olhavam com susto, e não exerciam o voyeurismo doentio com que vigiam Vera.
"Explodiu", como ela mesma conta, em "Toda Nudez Será Castigada", uma conjunção preciosa (o texto de Nelson Rodrigues e o melhor momento do então cineasta Arnaldo Jabor) na qual interpreta uma prostituta que leva um homem -e todas as suas crenças- ao desespero. Quase não se comenta sua participação em "Terra em Transe", de Glauber Rocha, em 1967.
Em um primeiro momento talvez fosse possível imaginar que atração vem do sexo, seu corpo exposto na tela, sua maneira lasciva (o personagem que toma o ator), o diálogo violento e, ao fundo, um tango.
Quase 30 anos depois esses momentos oferecem uma outra leitura. Não era um drama, mas sim uma tragédia, é possível ver agora. Algo estava em completo desarranjo. Na personagem interpretada por Darlene, em sua vida e na vida da nação.
Mas isso não a transforma em uma prisioneira do passado. A mulher que hoje volta ao cinema não tem quase nada do mito sexual. Envelhecida, a maquiagem que traz não a protege, não é um disfarce.
E agora ela tem fé, repete a cada oportunidade. O que, em sua visão, a torna uma pessoa melhor e faz com que os espectadores, agradecidos, ganhem uma segunda chance de conhecê-la.
Darlene Glória, em um pequeno resumo, é uma sobrevivente dos momentos cruéis. Aprendeu estratégias para permanecer em ação, criou planos para evitar a derrota.
É uma estrela, no raro e misterioso sentido que Hollywood sempre deu ao conceito: das pessoas que são maiores, mais intensas e assombrosas que a própria vida.



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