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CRÍTICA
Grade irregular revela hesitação
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Entra no ar hoje, já quase no
fim da quaresma, a nova temporada de programação da Globo. Entre as atrações anunciadas,
entrevistas inéditas no "Programa
do Jô" e a volta do "Linha Direta",
com a exploração da nossa "guerra particular": casos de famílias
que foram vítimas de violência.
O destaque fica nos aguardados
novos episódios das "sitcoms",
que vêm garantindo algum público "cult" para a emissora, "A
Grande Família" e "Os Normais".
A estréia da nova temporada
chama a atenção para a desarticulação da grade de programação,
conceito e instrumento chave na
consolidação da Globo. No final
dos anos 60, dando continuidade
a uma experiência iniciada na Excelsior, a então secundária emissora do Jardim Botânico definiu
horários estáveis para uma sequência de programas, ao longo
do dia e da semana.
A coerência do projeto da emissora emergente se expressou na
poderosa combinação de novelas
e jornal. Essa grade passou a pautar as concorrentes, além de definir horários de eventos a serem
televisionados ao vivo, como jogos de futebol.
Hoje, o núcleo da grade de programação permanece o mesmo.
Mas já não possui o mesmo peso.
Os programas sazonais são mais
atraentes, embora os longos intervalos incomodem. Temporadas e
horários flexíveis impostos a programas que vão ao ar depois das
21h30 diluem o conceito original e
dificultam a audiência.
A maior variação talvez ocorra
na minissérie. "A Casa das Sete
Mulheres" estreou em janeiro às
22h30. Foi empurrada para mais
tarde, cada dia em um horário,
pelo "Big Brother Brasil" e por
transmissões eventuais, como as
de jogos de futebol. A variação foi
de 21h30, em dias em que entrou
mais cedo, às 23h45, nas ocasiões
em que entrou mais tarde.
Um pouco como um relógio audiovisual, uma ampulheta infinita
de fluxo contínuo, a programação
televisiva vem pontuando a passagem das horas. No Brasil, esse
cronômetro vivo se imiscuiu na
rotina das pessoas e se estabeleceu
como parâmetro. Hoje vai perdendo seu poder regulador.
O fenômeno não ocorre só na
Globo. Horários variam em diversas emissoras. Programas podem
ter sua duração encompridada ou
encurtada em função da concorrência. Horários anunciados frequentemente não são cumpridos.
Sintoma da falta de projeto que
ronda o setor, a irregularidade das
grades transmite a impressão de
hesitação e falta de projeto. As novas tecnologias prometem possibilitar que o receptor escolha o
que vai assistir e quando. Enquanto isso não ocorre, horários e
durações permanecem instrumentos que podem ajudar a conquistar a fidelidade do público.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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