UOL


São Paulo, segunda-feira, 07 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Grade irregular revela hesitação

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Entra no ar hoje, já quase no fim da quaresma, a nova temporada de programação da Globo. Entre as atrações anunciadas, entrevistas inéditas no "Programa do Jô" e a volta do "Linha Direta", com a exploração da nossa "guerra particular": casos de famílias que foram vítimas de violência.
O destaque fica nos aguardados novos episódios das "sitcoms", que vêm garantindo algum público "cult" para a emissora, "A Grande Família" e "Os Normais".
A estréia da nova temporada chama a atenção para a desarticulação da grade de programação, conceito e instrumento chave na consolidação da Globo. No final dos anos 60, dando continuidade a uma experiência iniciada na Excelsior, a então secundária emissora do Jardim Botânico definiu horários estáveis para uma sequência de programas, ao longo do dia e da semana.
A coerência do projeto da emissora emergente se expressou na poderosa combinação de novelas e jornal. Essa grade passou a pautar as concorrentes, além de definir horários de eventos a serem televisionados ao vivo, como jogos de futebol.
Hoje, o núcleo da grade de programação permanece o mesmo. Mas já não possui o mesmo peso. Os programas sazonais são mais atraentes, embora os longos intervalos incomodem. Temporadas e horários flexíveis impostos a programas que vão ao ar depois das 21h30 diluem o conceito original e dificultam a audiência.
A maior variação talvez ocorra na minissérie. "A Casa das Sete Mulheres" estreou em janeiro às 22h30. Foi empurrada para mais tarde, cada dia em um horário, pelo "Big Brother Brasil" e por transmissões eventuais, como as de jogos de futebol. A variação foi de 21h30, em dias em que entrou mais cedo, às 23h45, nas ocasiões em que entrou mais tarde.
Um pouco como um relógio audiovisual, uma ampulheta infinita de fluxo contínuo, a programação televisiva vem pontuando a passagem das horas. No Brasil, esse cronômetro vivo se imiscuiu na rotina das pessoas e se estabeleceu como parâmetro. Hoje vai perdendo seu poder regulador.
O fenômeno não ocorre só na Globo. Horários variam em diversas emissoras. Programas podem ter sua duração encompridada ou encurtada em função da concorrência. Horários anunciados frequentemente não são cumpridos.
Sintoma da falta de projeto que ronda o setor, a irregularidade das grades transmite a impressão de hesitação e falta de projeto. As novas tecnologias prometem possibilitar que o receptor escolha o que vai assistir e quando. Enquanto isso não ocorre, horários e durações permanecem instrumentos que podem ajudar a conquistar a fidelidade do público.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


Texto Anterior: Política cultural: Museu é fechado em tempo recorde
Próximo Texto: Disco/lançamento: MPB rende tributo misto a "doutor do baião"
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.