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DISCOS LANÇAMENTOS
Tropicália 30 anos - a voz do produtor
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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A Polygram lança caixa com cinco discos que foram marco do tropicalismo, todos produzidos por Manoel Barenbein (foto)
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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Por essa época, há 30 anos, veio
ao mundo uma série de álbuns
pop que mudaram o curso da história da MPB. Cinco desses álbuns
são reunidos agora no caixotinho
"Tropicália 30 Anos".
"Caetano Veloso", "Gilberto
Gil", o disco coletivo "Tropicália
ou Panis et Circensis", "Os Mutantes" e "Gal Costa" (deslocado
da efeméride, pois só saiu em 69)
têm mais em comum que o fato de
se inscreverem no que veio a se
chamar movimento tropicalista.
Foram produzidos por um mesmo
homem -não, não é o Liminha.
Trata-se de Manoel Barenbein,
55, descrito por Caetano, em seu
livro "Verdade Tropical", como
"um judeu paulista narigudíssimo
que era produtor contratado da
Philips e que comprara nossa briga com carinho e determinação".
De executivo/criador poderoso
na Philips (hoje PolyGram) da virada dos 60 aos 70, teve trajetória
bem mais tortuosa que a de seus
colegas artistas e não costuma ser
lembrado como "inventor do pop
nacional" ou coisas assim.
A Folha convidou-o a comentar
a caixa da PolyGram e revisitar sua
participação de bastidor naquele
período de revolução no seio da
MPB. Leia trechos da entrevista.
Folha - Qual é sua impressão sobre a caixa "Tropicália 30 Anos"?
Manoel Barenbein - (Examina.)
Parece interessante (folheia o encarte de "Caetano Veloso"). Maravilhoso, reproduziram as letras, o
texto da contracapa. Tem que ser
assim. Pô, nem me mandaram.
(Interrompe a entrevista, telefona
à PolyGram e pede um exemplar).
Folha - Nem todos os encartes foram reproduzidos fielmente.
Barenbein - Jura? (Folheia o encarte de "Gilberto Gil"). Não tem
nada dentro! Não tem o texto da
contracapa de "Tropicália ou Panis et Circensis". Assim não dá...
Acho que o da Gal não devia estar, nem o dos Mutantes. Se eu fosse fazer, seriam só "Caetano Veloso", "Gilberto Gil" e "Tropicália".
Essa é a origem. Os outros são a
sequência. E a tropicália não pára
nesses cinco discos. Teria que fazer
algo amplo, e aí seriam sete, oito
discos, estouraria o processo.
Folha - Fale sobre sua trajetória
até chegar a esses discos.
Barenbein - Nasci em Ponta
Grossa, no Paraná, e vim para São
Paulo aos 7 anos. Fui aos poucos
me identificando com música, frequentava rádio. Em 59, 60, virei
uma espécie de assistente de Walter Silva, o Pica-Pau, que era um
entusiasta da bossa nova.
Comecei a trabalhar na gravadora RGE por indicação dele. Fui ser
boy da divulgação, o diretor do departamento era o Boni. Acabei assistente de produção, comecei a
querer produzir. Foi quando conheci Toquinho e o levei para gravar seu primeiro disco solo, em 65,
o primeiro que eu produzi.
Aí Toquinho me levou para conhecer Chico Buarque. Convidei
para gravar na RGE, "A Banda" fui
eu que produzi. Mas no primeiro
disco do Chico fui só assistente de
produção. Fiquei na RGE até 67.
Então Armando Pittigliani, que
era diretor artístico da Philips, me
convidou para assumir o mesmo
cargo em São Paulo. Fui para lá na
semana em que decidiam o que fazer com o festival da Record -eles
tinham 18 dos 36 classificados. Decidiram fazer três LPs, foi meu primeiro trabalho lá. Bem, na Phonogram estavam Caetano e Gil. Entrei logo com "Domingo no Parque" e "Alegria, Alegria", para o
festival. E aí nasceu essa história.
Já tinha afinidade com eles, conhecia do teatro de Arena -eu
trabalhei com teatro também. Tinham um projeto que era meu sonho: pegar a qualidade da MPB, da
bossa, e dar um tom de universalidade. Nossa música tinha um invólucro que dificultava sua vida
comercial fora daqui. Queria romper essa barreira.
Folha - Você já pensava a questão comercialmente, então?
Barenbein - Veja bem, isso é
complicado. A música é a arte, mas
não existe música boa que não seja
comércio. Picasso é uma senhora
arte, mas é comércio, porque vale
milhões. Música é a mesma coisa.
Mas o que eu queria somente era
uma coisa diferenciada. Era uma
busca por novidade, me dava cócega tentar fazer algo diferente.
Paralelamente ao festival, já estava trabalhando no disco coletivo e
também nos discos solo de Caetano e de Gil. "Tropicália" em especial foi um rolo, era para ser de
uma maneira e eles bolaram outra
entre eles. A gravação era num domingo, Arnaldo Baptista foi ardendo em febre -e nada. Não
houve a gravação. Quase desisti de
fazer o disco, foi uma crise.
Depois eles explicaram. A idéia
inicial era simples, duas faixas para cada artista, só. Mas durante
aquela noite eles mudaram tudo,
realinharam, criaram o conceito.
Folha - Você produzia trabalhos
de caráter mais popular?
Barenbein - Não. Eu acabei, durante muitos anos, sendo associado à produção de MPB. Em seguida ao festival, gravei disco do Jair
Rodrigues, do Ronnie Von, e já era
diretor artístico da Elis, produzi
Erasmo. Trouxe o Tim Maia para a
gravadora. Fui diretor de produção do primeiro disco solo da Rita.
Folha - Qual era sua participação
na concepção do tropicalismo?
Barenbein - Estava sempre diretamente ligado. Por exemplo, a
introdução de "Irene", no disco de
69 do Caetano, que pára e o Gil diz
que errou, é invenção minha. Fui
para a Bahia gravar dois discos,
um com Gil, um com Caetano,
uma maneira que a companhia
achou de conseguir um dinheiro
para eles. Eles estavam isolados,
banidos, sem dinheiro para sobreviver, e não podíamos ajudar economicamente, dar dinheiro sem
mais nem menos -o governo via
a gravadora como subversiva.
Resolvemos inventar os discos e
dar um adiantamento sobre os direitos que iam ter. Tive que ir à Polícia Federal para explicar que eles
não iam sair do estúdio.
Conseguimos um equipamento
sem condição alguma. Sentamos
no chão, Rogério Duprat, Gil, Caetano, eu e o técnico Ari Carvalhaes.
"Que fazemos?" Fizemos eles gravarem violão e voz, saí de lá com
dois discos com só dois canais, voz
e violão e umas coisinhas. Aqui é
que fomos gravar o resto, sem eles.
Folha - Mostrar Gil desconcentrado tinha algum propósito político?
Barenbein - Não! Nada. Era o
conceito, queríamos inovar. Era
legal porque era verdade, nascia
naturalmente. Não tinha sentido
político. Improvisávamos, eu participava criativamente, tomava como um filho meu. Era quase tribal.
"Que Pena" era para ser cantado
por Gal e Jorge Ben, mas os tons
não batiam. Estávamos no estúdio, não ia dar certo, Caetano estava no corredor. Fui perguntar se
dava o tom, ele disse que sim, trocamos. Acabou se tornando antológico. Mas não foi pensado.
Folha - Era fácil dizer a Jorge Ben
que ele não ia cantar mais?
Barenbein - Sem problema, ele
tocou violão. Havia um espírito
fraternal, uma liberdade. Não
existia estrelismo -ainda não
existia estrelismo. Pelo menos enquanto trabalhei com eles, até 71,
existia entre nós um relacionamento muito profissional e aberto.
Folha - Por que Gil e os Mutantes
cantam "Manoel, pára de encher"
em "Pega a Voga, Cabeludo"?
Barenbein - Eu sempre fui meio
cricri. Com a liberdade que eu tinha com eles, eu era o chato, o cricri. No ensaio, nasceu o vocal, foi
brincadeira de estúdio. Só vim a
saber depois de pronto. Comecei a
rir, o que ia fazer?
Folha - Ronnie Von fez um disco
tropicalista. Ele era tropicalista?
Barenbein - Esse processo de
rotular é meio complicado, não
sei. Tropicalistas para mim são as
pessoas que estão no disco-manifesto. Se for partir para outro lado,
Elis era uma das mais tropicalistas,
estava sempre à frente. Ela chegou
a combinar comigo um disco, queria o mesmo time, o Duprat. Por
alguma razão que não sei e nunca
quis perguntar, uma semana depois mudou de idéia.
Folha - Por que saiu da Philips?
Barenbein - Saí em 71, porque
queria abrir novos caminhos para
mim -de novo a coceira de criar.
Deixei de ser diretor artístico para
ser assistente de produção na Itália, começar tudo do zero. Já eram
dois, três anos fazendo a mesma
coisa, queria outro caminho, por
mais criativos que eles fossem.
Fiquei dois anos na Itália e voltei
à Philips por convite do André Midani. Depois voltei para a RGE
com esse projeto, de um cast todo
voltado para música em inglês. Aí
estouraram Harmony Cats, David
Robinson (que era o Dudu França), Christian e Ralf com um monte de nomes, Jessé como Tony Stevens, Fábio Jr. como Mark Davis.
Folha - Existe lógica artística em
partir do tropicalismo e chegar às
Harmony Cats?
Barenbein - Veja bem, no meu
conceito era diferente. Eu não ia
mais gravar Milton, Djavan, Simone e manter meu nome. Ia desenvolver um trabalho profissional
que me permitisse procurar algo
diferenciado. Era natural que
acontecesse isso. Caso contrário,
poderia estar lá até hoje rodando a
mesma bola. E o que fiz lá está aí
para sempre, Caetano, Gil, Gal.
Folha - O que aconteceu com você nos anos 80?
Barenbein - Me afastei do disco.
Era aquela coisa de cinco cadeiras
e seis pessoas para sentar. Levantei
da RGE, alguém sentou, e eu fiquei
em pé. Foi circunstancial, não
queria me afastar.
Folha - Por que alguém que fez
tanta coisa de repente não tem espaço? Você fez algo errado?
Barenbein - São coisas do Brasil. Que eu saiba, não fiz nada errado. O que fiz de errado foi, ao sair,
tentar ser produtor independente.
Perdi um apartamento. Aí me desiludi. Tive problemas financeiros,
foram praticamente cinco anos
desempregado. Sobrevivi de bico,
minha mulher tinha um salão de
cabeleireiro e depois uma butique.
Acabei formando uma equipe e
criei a ABS, uma produtora de vídeo que vive legal há dez anos. Fazemos clipes, vídeos institucionais, o programa "Clube Irmão
Caminhoneiro Shell".
Voltei para disco em 97 -tenho,
com outros sócios, a RDS, uma
gravadora que só trabalha com
produtos independentes. Não produzo nada, só trago produtos
prontos. Sou desesperado para pegar projetos novos, diferenciados,
de gente nova e criativa.
Acho isso necessário, era o que
acontecia antes. Começa, vai segmentando, daqui a três discos está
no patamar. Aí, daqui a 30 anos
ainda vamos estar falando dos caras, não foram criados como produtos descartáveis.
Folha - Você mantém algum tipo
de relação com os tropicalistas?
Barenbein - Tenho mais com
Tom Zé, Duprat. Dos outros, a distância entre o que faço e o que eles
fazem é muito grande. Gil me convidou para o "Acústico", eu fui,
me tratou muito bem. Se a gente se
encontra, a amizade vem na hora.
Caetano não vejo há uns 15 anos.
Nunca consegui ir a um show dele
em São Paulo. Eu odeio camarim,
o mundo deles hoje é muito diferente do meu. São outras pessoas
de relacionamento. Não é questão
de estrelismo, mas começa a chegar gente e sou peixe fora d'água.
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