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COMIDA
Amazônia em São Paulo
Paulistas passam a produzir ingredientes do Norte com alto potencial gastronômico, como pirarucu, jambu e araçá-boi
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Num ambiente incômodo, de
tão quente e úmido, nem sinal
de pirarucu. O único som é o de
um fio de água cristalino caindo, sem parar, sobre a água turva. É só se afastar, e ele aparece.
Tira parte do corpo d'água, respira e submerge de novo.
Bem distante de seu habitat,
age como se ainda estivesse na
bacia amazônica. Foge o quanto pode. Da rede e do homem.
Pula, escorrega, dá uma canseira em quem tenta capturá-lo
numa "miniAmazônia" a menos de 70 km de São Paulo.
O clima da estufa onde ficam
os 12 tanques de água doce, em
Mairinque, tem de ser quente e
úmido como o do bioma. Pirarucu não suporta água fria.
A "miniAmazônia" dos peixes de feição pré-histórica não
é a única nos arredores da capital paulista. Há ainda as produtoras de jambu e araçá-boi.
Perto do potencial de ingredientes nativos da tão cobiçada
e comentada Amazônia, a produção paulista engatinha. Mas,
para os chefs, que até outro dia
só dispunham do peixe congelado trazido de lá ou tinham de
pagar mais pelo frete do que pelo jambu, é um passo e tanto.
"O produto é outro. O peixe
chega inteiro, você vê quão
fresco está. Se não houvesse
esse tipo de iniciativa, em poucos anos talvez não existisse
mais pirarucu", diz Ana Luiza
Trajano, 30, chef do Brasil a
Gosto, compradora do peixe
paulista há quase três anos.
Da predação à ração
Do primeiro contato com o
paladino do terroir amazônico,
o chef paraense Paulo Martins,
há 12 anos, Alex Atala, 40, diz
que melhorou "300%". "Ele era
o nosso único canal para conseguir esses ingredientes. É claro
que a produção em São Paulo
não chega a um décimo do que
poderia ser", diz o chef do
D.O.M. "Abrir mercado para o
cultivo de ingredientes amazônicos aqui estimula a preservação da região e diminui a pressão em áreas devastadas."
As três centenas de pirarucus
que vivem hoje nos tanques da
Baobá Gigas, em Mairinque,
têm um longo caminho pela
frente. Perto do tamanho que
podem alcançar na natureza
(até 200 kg), estão pequenos
-os maiores têm sete quilos.
Em cativeiro, levam um ano
para chegar a dez quilos. E só
serão abatidos com 12. Carnívoros, nos tanques comem ração à base de peixe, soja e milho. Inevitável questionar se, à
exemplo dos frangos, os peixes
de cativeiro não têm sabor inferior ao dos criados soltos.
"No caso do pirarucu, não é
um problema. Ele não fica com
sabor residual de ração. Tem
uma qualidade incrível, um estado fresco perfeito. É no manejo sustentável que mora o
maior sucesso disso", diz Atala.
A Baobá Gigas atende só o
Brasil a Gosto e o D.O.M., além
do hortifruti Natural da Terra.
"Estamos no início, só poderemos pensar em novos clientes
no fim do ano", avisa o proprietário, Wilson Soares, 33.
Ervas e frutas
Outro projeto a longo prazo,
focado na preservação por
meio de uma atividade sustentável, é o do Sítio do Bello, em
Paraibuna (a 124 km de SP).
Lá, mais de 90 espécies de
frutas nativas brasileiras foram
plantadas. E, entre uvaias e
grumixamas, há o amazônico
araçá-boi. A facilidade de dispor da polpa levou o chef Felipe
Ribenboim, 26, do Dois, a incluí-la num trio de gelatinas.
O jambu do restaurante também vem de perto, da Ervas Finas, em Campo Limpo Paulista
(57 km de SP). À frente do cultivo, o alemão Dirk Müller, 43,
diz não apreciar a "sensação difícil" causada pela erva. Começou a plantá-la a pedido dos
chefs-clientes. "É um jambu
muito mais potente do que o
que eu conseguia em Manaus",
compara Ribenboim, que usa
os pistilos da erva num gefilte
fish (bolinho frio) de pirarucu.
Outra produtora de jambu, a
DRO Ervas e Flores, em Cerquilho (a 146 km de SP), começou com quatro mudas doadas
por clientes. "Foi impossível
conseguir sementes", diz Deborah Orr, 23. Hoje, os canteiros estão grandes e abastecem
as cozinhas de restaurantes como o Maní e o Aizomê. "Fica na
estufa, mas pega até em terreno
arenoso. Vai se espalhando."
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