Após a morte de Heath Ledger, em 2008, diretor contou com elenco de peso para terminar obra amorosa e imperfeita

ANDRÉ BARCINSKI
CRÍTICO DA FOLHA

Terry Gilliam tem um problema com a realidade. Esse norte-americano, famoso por sua atuação no grupo cômico inglês Monty Python, sempre demonstrou dificuldade, ou pura teimosia, em fazer filmes com estrutura narrativa convencional.
Quando consegue equilibrar os delírios de sua imaginação com uma forma mais direta de contar a história, faz grandes filmes, como "Brazil" (1985), "12 Macacos" (1995) e "Medo e Delírio" (1998).
Quando deixa a imaginação correr sem freio, as obras parecem delírios surrealistas -lindos de ver, difíceis de gostar-, como "As Aventuras do Barão de Munchausen" (1988) e "Os Irmãos Grimm" (2005).
Felizmente, "Parnassus" pertence à categoria de seus filmes mais formais. O que não quer dizer que não traga suas típicas imagens deslumbrantes. O filme é uma comédia sobre uma trupe circense liderada pelo enigmático Dr. Parnassus (o ótimo Christopher Plummer), que anda por Londres numa carruagem, apresentando seu show. Quem se arrisca a subir ao palco e atravessar um espelho penetra num mundo mágico, onde os desejos são realizados.
O cantor Tom Waits interpreta o Diabo, nêmesis de Parnassus, e Heath Ledger faz um homem misterioso, salvo da morte pela trupe.
Logo nas primeiras imagens vemos a velha carruagem, parecendo uma atração medieval, andando pela Londres moderna. O público zomba e vaia os atores. Mais uma vez, Gilliam aborda tema recorrente em sua obra: a necessidade de sonhar.
O filme por pouco não foi abortado quando Heath Ledger morreu, em 2008, no meio das filmagens. Gilliam, que já havia interrompido "Dom Quixote" por causa da doença do ator principal, pensou em desistir, mas voltou atrás quando Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell se ofereceram para substituir Ledger.
O diretor colocou os três se revezando no papel de Ledger. O resultado é um delírio típico de Terry Gilliam: imperfeito e sem muita coerência, mas amoroso e cheio de imaginação.