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TENORINHO
Autor defende a tese de que calvário do pianista simboliza o declínio do "conhecimento musical brasileiro"
Livro associa morte à decadência da música
da Reportagem Local
"O Crime Contra Tenório" não
se contenta em relatar a prisão,
tortura e fuzilamento do músico
carioca. Na verdade, só a terceira e
última parte do livro trata diretamente do assunto.
O resto do volume prepara o terreno para o fim trágico. E o faz por
meio de uma tese ousada: a de que
o martírio de Tenorinho simboliza
a morte da "genuína ciência musical brasileira".
O autor escreve que o calvário do
pianista representa "apenas o desfecho final, a 'apoteose' horrenda
de um drama que começou dentro
das fronteiras da música" praticada no país.
A primeira parte do livro expõe a
premissa detalhadamente e soa como um ensaio. É lá que Frederico
de Oliveira traça o que chama de
"curva involutiva".
Para o autor, a música brasileira
viveu uma fase ascendente entre
1958 e 1964, sobretudo por causa
da Bossa Nova, que promoveu o
casamento perfeito da canção
"com o sofisticado conhecimento
instrumental".
De 1965 em diante, deu-se o inverso. A música do país decaiu.
Trocou gradativamente seus
"conteúdos formacionais e culturais" por "conteúdos de entretenimento" para atender "às pressões do lucro".
"Basta observar como, lá pelo
início dos anos 80, Milton Nascimento e Gonzaguinha passaram a
jogar água com açúcar na mistura,
simplificando perigosamente suas
composições", diz Oliveira.
Sob a ótica do autor, a decadência vai se impondo à medida que a
música instrumental perde espaço
no cenário artístico para a canção
pura e simples (ou "o binômio letra/melodia, com duração média
de três a quatro minutos").
Tal perda de espaço, ainda conforme Oliveira, não acontece por
acaso. Deriva de razões ideológicas
-mais precisamente "da nova
política internacional das telecomunicações", que começa a dominar o país logo depois do movimento militar de 1964.
Exposta a tese, o autor apresenta
Tenorinho como um virtuose do
samba-jazz. "Teve, sem dúvida,
papel de destaque durante a fase
ascendente da música brasileira."
Mas, "quando a coisa desandou
e a canção se tornou hegemônica", Tenório Jr. sofreu as consequências na pele e na alma, à semelhança de tantos outros colegas.
A segunda parte do livro, então,
é uma espécie de crônica em que
Oliveira ilumina os bastidores das
relações entre músicos e cantores.
Detém-se principalmente no período de 1968 a 1984.
"Tento revelar os conflitos e a
angústia dos instrumentistas que,
sem palco para exercer sua arte
elevada, tinham de acompanhar os
medalhões da MPB em trabalhos
muitas vezes comerciais."
Oliveira -ele próprio um guitarrista profissional, que tocou
com Milton Nascimento, Gal Costa, Gilberto Gil, Fafá de Belém e
Gonzaguinha- acredita que "o
sistema" transformou os cantores
em "patrões" dos músicos.
"Uma relação que deveria ser
harmoniosa, equilibrada se tornou uma relação de dependência,
de submissão", resume.
O livro coleciona histórias que
exemplificam o choque entre
"vassalos e suseranos". O autor
as extrai de reminiscências pessoais e conversas com outros músicos, como o baterista Mutinho.
Talvez a mais emblemática seja a
que ocorreu no dia em que Tenório Jr. embarcou para a turnê com
Vinicius e Toquinho.
Pouco antes de partir, o pianista
esteve na casa de Oliveira e não resistiu ao trocadilho: "Pois é, cara.
Vou viajar atrás de um troquinho".
(ARMANDO ANTENORE)
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