São Paulo, sábado, 7 de junho de 1997.



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TENORINHO
Autor defende a tese de que calvário do pianista simboliza o declínio do "conhecimento musical brasileiro"
Livro associa morte à decadência da música

da Reportagem Local

"O Crime Contra Tenório" não se contenta em relatar a prisão, tortura e fuzilamento do músico carioca. Na verdade, só a terceira e última parte do livro trata diretamente do assunto.
O resto do volume prepara o terreno para o fim trágico. E o faz por meio de uma tese ousada: a de que o martírio de Tenorinho simboliza a morte da "genuína ciência musical brasileira".
O autor escreve que o calvário do pianista representa "apenas o desfecho final, a 'apoteose' horrenda de um drama que começou dentro das fronteiras da música" praticada no país.
A primeira parte do livro expõe a premissa detalhadamente e soa como um ensaio. É lá que Frederico de Oliveira traça o que chama de "curva involutiva".
Para o autor, a música brasileira viveu uma fase ascendente entre 1958 e 1964, sobretudo por causa da Bossa Nova, que promoveu o casamento perfeito da canção "com o sofisticado conhecimento instrumental".
De 1965 em diante, deu-se o inverso. A música do país decaiu. Trocou gradativamente seus "conteúdos formacionais e culturais" por "conteúdos de entretenimento" para atender "às pressões do lucro".
"Basta observar como, lá pelo início dos anos 80, Milton Nascimento e Gonzaguinha passaram a jogar água com açúcar na mistura, simplificando perigosamente suas composições", diz Oliveira.
Sob a ótica do autor, a decadência vai se impondo à medida que a música instrumental perde espaço no cenário artístico para a canção pura e simples (ou "o binômio letra/melodia, com duração média de três a quatro minutos").
Tal perda de espaço, ainda conforme Oliveira, não acontece por acaso. Deriva de razões ideológicas -mais precisamente "da nova política internacional das telecomunicações", que começa a dominar o país logo depois do movimento militar de 1964.
Exposta a tese, o autor apresenta Tenorinho como um virtuose do samba-jazz. "Teve, sem dúvida, papel de destaque durante a fase ascendente da música brasileira."
Mas, "quando a coisa desandou e a canção se tornou hegemônica", Tenório Jr. sofreu as consequências na pele e na alma, à semelhança de tantos outros colegas.
A segunda parte do livro, então, é uma espécie de crônica em que Oliveira ilumina os bastidores das relações entre músicos e cantores. Detém-se principalmente no período de 1968 a 1984.
"Tento revelar os conflitos e a angústia dos instrumentistas que, sem palco para exercer sua arte elevada, tinham de acompanhar os medalhões da MPB em trabalhos muitas vezes comerciais."
Oliveira -ele próprio um guitarrista profissional, que tocou com Milton Nascimento, Gal Costa, Gilberto Gil, Fafá de Belém e Gonzaguinha- acredita que "o sistema" transformou os cantores em "patrões" dos músicos.
"Uma relação que deveria ser harmoniosa, equilibrada se tornou uma relação de dependência, de submissão", resume.
O livro coleciona histórias que exemplificam o choque entre "vassalos e suseranos". O autor as extrai de reminiscências pessoais e conversas com outros músicos, como o baterista Mutinho.
Talvez a mais emblemática seja a que ocorreu no dia em que Tenório Jr. embarcou para a turnê com Vinicius e Toquinho.
Pouco antes de partir, o pianista esteve na casa de Oliveira e não resistiu ao trocadilho: "Pois é, cara. Vou viajar atrás de um troquinho". (ARMANDO ANTENORE)


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