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"IVAN, O TERRÍVEL"
Produção de Eisenstein é uma das maiores de todos os tempos
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Será "Ivan , o Terrível" o
ponto alto da Mostra Eisenstein? Não é certo. Mas é sem dúvida um dos maiores filmes de todos os tempos.
A produção do cineasta russo é
quase toda composta de pontos
altos que convém situar historicamente. Toda a fase dos anos 20, de
"A Greve" (1924) até "A Linha Geral" (1929), se insere na busca de
uma estética revolucionária, em
que os principais nomes do cinema soviético exercerão um papel
de vanguarda (a esse respeito, vale
ler "Eisenstein e o Construtivismo
Russo", de François Albera, lançado na quarta-feira e a propósito
do qual realiza-se o ciclo).
Uma das preocupações de Eisenstein nessa fase é retirar do cinema o caráter realista que lhe
atribuíra D.W. Griffith (uma referência central para ele), dando ênfase à materialidade do filme.
Daí a estética de choque de "O
Encouraçado Potemkin" ou de
"A Linha Geral", que Eisenstein
define em "Sttutgart": "Montagem não é um pensamento composto de partes que se sucedem, e
sim um pensamento que nasce do
choque de duas partes, uma independente da outra".
Inútil dizer que, com Stálin no
poder, a idéia de choque é severamente reprimida, em favor do
realismo socialista, tralha didática
que domestica a idéia de conflito,
quando não a suprime.
Inútil dizer também que Eisenstein não se encaixará na estética
stalinista. Começa, após 1929, o
exílio que o leva aos EUA e ao México e o limita a seus cursos de direção. Só quando o calo aperta ele
é chamado a dirigir.
Primeiro, "Alexandre Nevski"
(1938), evocação do czar que expulsa os alemães. Depois, "Ivan, o
Terrível", história de Ivan 4º, czar
do século 16 que enfrenta uma série de intrigas cortesãs e rebeliões
internas, impõe-se aos nobres, estabelece-se como monarca absoluto e garante a unidade nacional.
Ivan seria, assim, um alter ego
de Stálin, que também enfrentou
a oposição com mão de ferro. O
próprio Stálin parece que não sabia muito bem o que fazer com o
filme: proibiu a exibição da segunda parte (que só seria vista
após 1958), onde o aspecto tirânico e paranóico de Ivan se mostra
com clareza, mas permitiu a realização da terceira parte (o que não
aconteceu devido à doença e à
morte de Eisenstein, em 1948).
Política à parte, Eisenstein mudou muito do mudo ao sonoro,
mas permaneceu "um materialista e não um realista", como se definia. A matéria fílmica impõe-se
em cada sequência em "Ivan",
com um andamento lento e uma
solenidade operística realçada pela cenografia e pelos contrastes
violentos de luz e sombra.
A épica de Ivan não é histórica
no sentido habitual (de reconstituição). A história povoa o espetáculo, acossando os personagens e
chamando o espectador a entrar
nela e a relacionar passado e presente. Ademais, as dimensões do
drama como que se multiplicam,
seja para mostrá-lo como drama,
seja para dar-lhe espessura.
Assim é "Ivan": filme e prova do
filme, idéia e prova dessa idéia.
Filme sonoro de pleno direito, em
que Eisenstein não recua em sua
formulação de um cinema em que
a sucessão de imagens cria o conflito histórico, em vez de recolhê-lo no exterior (seja a história "verídica" de Ivan, seja o roteiro).
Esse filme, Eric Rohmer definiu
como "a mais perfeita síntese de
todas as artes, sem a menor degradação de uma ou de outra.
"Ivan o Terrível" é um drama, um
afresco, uma arquitetura, uma
ópera, e é no entanto um verdadeiro filme, com um poder de fascinação sui generis". Quem não
assinaria embaixo?
Ivan, o Terrível
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Direção: Sergei Eisenstein
Produção: União Soviética, 1944/1946
Quando: 1ª parte, hoje, às 20h; 2ª parte, amanhã, às 20h
Onde: Espaço Unibanco - sala 4 (r. Augusta, 1.475, São Paulo, tel. 0/xx/11/288-6780)
Quanto: entrada franca
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