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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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Peruano abre as portas do universo de idealismos do século 19 por meio das biografias de Flora Tristán e Paul Gauguin

A utopia estraçalhada de Vargas Llosa

Fernandes David - 21.mai.2003/"Clarín"
O escritor peruano Mario Vargas Llosa, 67, durante visita à Argentina, em maio, onde lançou "O Paraíso na Outra Esquina" na 29ª Feira do Livro de Buenos Aires


SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

O inusitado laço familiar que une a feminista Flora Tristán (1803-44) e o pintor pós-impressionista Paul Gauguin (1848-1903) tem seu nó não na Paris em que ambos nasceram e se fizeram conhecidos, mas no remoto e, para olhares europeus do século 19, exótico Peru, onde passaram tempos determinantes de suas vidas.
Foi durante sua estada em Arequipa que Tristán, presenciando os abusos da elite local contra a população indígena e mestiça, tornou-se uma ativista política. E foram os anos da infância vividos em Lima que fizeram surgir em Gauguin a sensibilidade em relação às culturas então ditas primitivas que o levaria a se interessar no futuro pelo Taiti -onde produziu seus mais célebres quadros.
A coincidência entre as duas biografias não é apenas geográfica. Tristán foi a avó materna de Gauguin. Os dois nunca se encontraram em vida, mas agora, pelas mãos do peruano mais conhecido de nossos dias, estão unidos para sempre, pela literatura.
"O Paraíso na Outra Esquina", o mais novo livro de Mario Vargas Llosa, 67, lança-se sobre as duas trajetórias, não para fazer uma reconstituição histórica, mas para construir um consistente romance. "Aqui o fantasiado e o acrescentado são mais importantes que a memória histórica", avisa.
O mundo que Vargas Llosa visita é o das utopias do século 19. Flora Tristán representa a utopia política, em sua pregação por um mundo mais igualitário e pelos direitos de operários e de mulheres. Já Paul Gauguin é um idealista do ponto de vista artístico. Enxerga a busca da beleza e do prazer como essencial ao homem e rechaça a frivolidade e o cinismo da sociedade francesa de então.
O livro intercala a biografia de Flora Tristán com a de Paul Gauguin, enfatizando os últimos meses da vida de cada um. A história de Tristán começa em 1844, quando, já doente, ela realiza uma viagem pela França para promover a "União Obrera", obra sobre a organização internacional trabalhista que elaborara, inspirada em idéias como as do socialista utópico Charles Fourier (1772-1837), mas com uma interpretação bastante própria, preocupada com a independência das mulheres.
Já a trajetória de Gauguin principia em 1892, durante sua primeira estada no Taiti, na qual se convence de que, longe da moral européia e entregue aos prazeres do sexo livre que experimentava junto aos nativos, sua arte atingiria o ponto mais elevado.
Apesar de se tratarem de personagens históricos, Vargas Llosa construiu uma narrativa em que o que está em primeiro plano são as lutas internas de cada um, não por acaso referindo-se a ambos por meio de seus apelidos -Koke, no caso de Gauguin, e Andaluza, no de Tristán.
O título da obra remete ao de uma brincadeira infantil francesa da mesma época, em que crianças vendadas perguntavam a outras onde é o Paraíso. Com a imagem, Vargas Llosa resume dois aspectos de sua visão sobre as utopias do século 19, a de que tinham muito de infantis e de que o Paraíso, definitivamente, não se encontrava naquela esquina.

O PARAÍSO NA OUTRA ESQUINA. Autor: Mario Vargas Llosa. Editora: Arx. Tradução: Wladir Dupont. Quanto: R$ 56 (493 págs.).


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