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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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Autor vê gênese de apocalipses

DA REDAÇÃO

Leia entrevista que o autor de "Pantaleão e as Visitadoras" e "A Guerra do Fim do Mundo" deu à Folha, por telefone, de Madri. (SC)
 

Folha - Você não é de esquerda, como foi retratar uma idealista como Flora Tristán?
Mario Vargas Llosa -
Tenho admiração por sua atitude rebelde, generosa e idealista, ainda que não acredite nas utopias políticas. Pudemos ver que elas fabricaram todos os infernos do século 20. O fascismo, o nazismo, o comunismo, o maoísmo se desenharam no 19 e, no 20, produziram apocalipses.

Folha - Seu romance anterior, "A Festa do Bode", também investigava um personagem histórico [o general Trujillo, da República Dominicana]. Você vê um parentesco entre este e "O Paraíso na Outra Esquina"?
Vargas Llosa -
Ambos têm a história como matéria-prima, mas enquanto "A Festa do Bode" era um banho pela imundície humana, pelos extremos de aberração a que se pode chegar por conta do poder, "O Paraíso na Outra Esquina" trata da busca da utopia que representam tanto Flora, no campo social e político, como Gauguin, no artístico. São visões ingênuas, que apontam para a idéia de que o Paraíso pode formar parte da realidade. Mas, em sua busca, os dois, como tantos sonhadores, contribuíram para fazer avançar um pouco a civilização humana.

Folha - O modo como ambos relacionam-se com a sexualidade é um ponto importante de conexão das biografias, concorda?
Vargas Llosa -
Sim, para Flora o sexo foi traumático, ela abandonou o casamento e foi perseguida por isso. Passou então a vê-lo como um instrumento de exploração da mulher.
O caso de Gauguin é o oposto. Ele pensa que o sexo é não somente um elemento de prazer, mas uma força sem a qual é impossível criar obras-primas.
Por isso ele admira tanto as civilizações "primitivas", porque pensa que só ali o sexo existe com liberdade e que, assim, a arte teria o vigor e a audácia que perdera na Europa.

Folha - Como refez sua relação com Van Gogh [1853-90]?
Vargas Llosa -
A amizade de Gauguin e Van Gogh é misteriosa. Os dois passaram nove semanas em Arles, na famosa Casa Amarela, em que haviam concordado estar juntos por pelo menos um ano. Mas a tensão que se criou foi tanta que ao final explodiu na tragédia que conhecemos [a da mutilação da orelha de Van Gogh]. O que exatamente aconteceu naquele período não saberemos nunca, é uma incógnita, por isso, nesse caso, tive de trabalhar quase que somente com a imaginação e com a fantasia.

Folha - No livro, Gauguin pensa em Van Gogh com frequência. Quão importante acha que foi o holandês para ele?
Vargas Llosa -
Van Gogh foi uma referência constante para Gauguin, a sua própria ida à Polinésia só se deu por causa dele. Van Gogh havia lido um romance de Pierre Loti ["The Marriage of Loti"] que se passava no Taiti e tinha tido a idéia de reunir em um lugar exótico um grupo de pintores e constituir o Estúdio do Sul.
Era algo comum na época, a formulação de pequenos conclaves paradisíacos, como os falanstérios de Charles Fourier. Ali viveriam em igualdade, sem dinheiro, dedicados somente a pintar. Gauguin, por ser um homem de ação, mais do que Van Gogh, concretiza o sonho e parte para o Taiti.

Folha - Além do tema da utopia, o da civilização contra a barbárie está presente. Acha que Tristán e Gauguin foram personagens típicos de seu tempo?
Vargas Llosa -
Os dois temas certamente são o eixo central do romance. Flora e Paul foram muito típicos do século 19, que é o século dos nacionalismos, do romance e das utopias. É o século em que se crê que, ao desenhar uma sociedade perfeita, pode-se materializá-la.
Por isso há tantos movimentos utópicos, como os sansimonianos e os fourieristas, que aparecem no livro, ou os seguidores de Robert Owen etc; até Marx, que é a utopia suprema.
Isso está no ambiente cultural do século 19 e explica Flora e Gauguin. A idéia da perfeição, de absoluto, de sociedades que encarnariam o Paraíso na terra só podia ter tido lugar naquele criativo e ingênuo período.


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