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Autor vê gênese de apocalipses
DA REDAÇÃO
Leia entrevista que o autor de
"Pantaleão e as Visitadoras" e
"A Guerra do Fim do Mundo"
deu à Folha, por telefone, de
Madri.
(SC)
Folha - Você não é de esquerda, como foi retratar uma idealista como Flora Tristán?
Mario Vargas Llosa - Tenho
admiração por sua atitude rebelde, generosa e idealista, ainda que não acredite nas utopias
políticas. Pudemos ver que elas
fabricaram todos os infernos
do século 20. O fascismo, o nazismo, o comunismo, o maoísmo se desenharam no 19 e, no
20, produziram apocalipses.
Folha - Seu romance anterior,
"A Festa do Bode", também investigava um personagem histórico [o general Trujillo, da República Dominicana]. Você vê
um parentesco entre este e "O
Paraíso na Outra Esquina"?
Vargas Llosa - Ambos têm a
história como matéria-prima,
mas enquanto "A Festa do Bode" era um banho pela imundície humana, pelos extremos de
aberração a que se pode chegar
por conta do poder, "O Paraíso
na Outra Esquina" trata da
busca da utopia que representam tanto Flora, no campo social e político, como Gauguin,
no artístico. São visões ingênuas, que apontam para a idéia
de que o Paraíso pode formar
parte da realidade. Mas, em sua
busca, os dois, como tantos sonhadores, contribuíram para
fazer avançar um pouco a civilização humana.
Folha - O modo como ambos
relacionam-se com a sexualidade é um ponto importante de conexão das biografias, concorda?
Vargas Llosa - Sim, para Flora
o sexo foi traumático, ela abandonou o casamento e foi perseguida por isso. Passou então a
vê-lo como um instrumento de
exploração da mulher.
O caso de Gauguin é o oposto. Ele pensa que o sexo é não
somente um elemento de prazer, mas uma força sem a qual é
impossível criar obras-primas.
Por isso ele admira tanto as
civilizações "primitivas", porque pensa que só ali o sexo
existe com liberdade e que, assim, a arte teria o vigor e a audácia que perdera na Europa.
Folha - Como refez sua relação
com Van Gogh [1853-90]?
Vargas Llosa - A amizade de
Gauguin e Van Gogh é misteriosa. Os dois passaram nove
semanas em Arles, na famosa
Casa Amarela, em que haviam
concordado estar juntos por
pelo menos um ano. Mas a tensão que se criou foi tanta que ao
final explodiu na tragédia que
conhecemos [a da mutilação
da orelha de Van Gogh]. O que
exatamente aconteceu naquele
período não saberemos nunca,
é uma incógnita, por isso, nesse
caso, tive de trabalhar quase
que somente com a imaginação e com a fantasia.
Folha - No livro, Gauguin pensa em Van Gogh com frequência.
Quão importante acha que foi o
holandês para ele?
Vargas Llosa - Van Gogh foi
uma referência constante para
Gauguin, a sua própria ida à
Polinésia só se deu por causa
dele. Van Gogh havia lido um
romance de Pierre Loti ["The
Marriage of Loti"] que se passava no Taiti e tinha tido a idéia
de reunir em um lugar exótico
um grupo de pintores e constituir o Estúdio do Sul.
Era algo comum na época, a
formulação de pequenos conclaves paradisíacos, como os
falanstérios de Charles Fourier.
Ali viveriam em igualdade, sem
dinheiro, dedicados somente a
pintar. Gauguin, por ser um
homem de ação, mais do que
Van Gogh, concretiza o sonho
e parte para o Taiti.
Folha - Além do tema da utopia, o da civilização contra a barbárie está presente. Acha que
Tristán e Gauguin foram personagens típicos de seu tempo?
Vargas Llosa - Os dois temas
certamente são o eixo central
do romance. Flora e Paul foram
muito típicos do século 19, que
é o século dos nacionalismos,
do romance e das utopias. É o
século em que se crê que, ao desenhar uma sociedade perfeita,
pode-se materializá-la.
Por isso há tantos movimentos utópicos, como os sansimonianos e os fourieristas, que
aparecem no livro, ou os seguidores de Robert Owen etc; até
Marx, que é a utopia suprema.
Isso está no ambiente cultural do século 19 e explica Flora e
Gauguin. A idéia da perfeição,
de absoluto, de sociedades que
encarnariam o Paraíso na terra
só podia ter tido lugar naquele
criativo e ingênuo período.
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