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"MEUS VIZINHOS ITALIANOS"
Parks faz crônica da Itália rústica
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Os ingleses são loucos por
viagens. E por obras que relatam os périplos de seus conterrâneos. Nas livrarias londrinas, há
estantes cheias dos chamados livros de viagens. O anglo-americano Henry James experimentou o
gênero, assim como Peter Mayle,
cujo "Um Ano na Provence" tornou-se best-seller nos Estados
Unidos. Agora temos Tim Parks,
com "Meus Vizinhos Italianos".
Como no livro de Mayle, um
povoado campestre é o local onde
se passa a maior parte da ação,
que se estende por cerca de um
ano. As semelhanças, porém, param aí. Parks não se preocupa
tanto quanto Mayle em segredar
dicas de "connoisseur". Aqui e ali,
fala do autêntico "cappuccino" ou
do fabrico de um "prosecco" caseiro, mas essas informações são
o tempero de sua pastoral italiana.
O autor se preocupa mais em descrever os costumes e as idiossincrasias de seus novos vizinhos.
Os quais, aliás, escondem-se
num lugarejo perdido no vale do
Pó. Quem quiser procurar no mapa terá dificuldade em localizar a
aldeia de Montecchio, onde Parks
escolheu residir com a mulher Rita. Fica no sopé dos primeiros
morros de onde começa a subida
para os Alpes. A formação montanhosa impede a entrada dos
ventos, o que resulta num calor
abafado, chamado de "afa" pelos
nativos. Some-se a esse incômodo
atmosférico o barulho das motonetas dos adolescentes, os uivos
de um pobre cão acorrentado, o
zumbido dos mosquitos gordos, e
temos uma boa idéia do que encontrou o casal ao instalar-se no
apartamento três, da Via Colombare, número dez.
Há mais, porém: a mobília fúnebre e os bricabraques empoeirados dos antigos moradores, além
de uma vizinha colérica, que os
recepciona aos gritos. Os tipos fellinianos abundam: o padre que
joga no lixo as encíclicas assim
que as recebe, o quitandeiro boa-pinta que dá aulas de caratê, o padeiro que amealhou uma fortuna
sonegando impostos. A xenofobia e o racismo grassam nessa comunidade conservadora, que vota em peso no partido Democrata-Cristão. E não devemos esquecer a burocracia kafkiana e o que
talvez seja a irmã de criação dela, a
corrupção deslavada.
Longe de ser rabugento, o relato
de Parks é sutil, irônico e, sobretudo, cioso da descrição concreta. O
autor faz questão de que nos habituemos com cada particularidade
da sociedade provinciana - preconceituosa, por certo, mas igualmente fraterna, anárquica e luminosa. No posfácio, diz: "Espero
que, por alguns momentos, o leitor tenha se sentido em casa".
O autor também se refere a
"Middlemarch", romance de
George Eliot. A filiação dos livros
de viagem a essa literatura realista, pré-modernista, constitui um
apelo a leitores que querem distância de complicações linguísticas ou narrativas. A leitores que se
aprazem a uma história bem contada com personagens robustos,
detalhes pitorescos e situações semelhantes à vida, que melhor
achado do que essa crônica de
uma Itália rústica, vista pelos
olhos de um estrangeiro?
Meus Vizinhos Italianos: Histórias de um Inglês na Itália
Autor: Tim Parks
Tradução: Carlos Mendes Rosa
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 39 (320 págs.)
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