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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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"MEUS VIZINHOS ITALIANOS"

Parks faz crônica da Itália rústica

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Os ingleses são loucos por viagens. E por obras que relatam os périplos de seus conterrâneos. Nas livrarias londrinas, há estantes cheias dos chamados livros de viagens. O anglo-americano Henry James experimentou o gênero, assim como Peter Mayle, cujo "Um Ano na Provence" tornou-se best-seller nos Estados Unidos. Agora temos Tim Parks, com "Meus Vizinhos Italianos".
Como no livro de Mayle, um povoado campestre é o local onde se passa a maior parte da ação, que se estende por cerca de um ano. As semelhanças, porém, param aí. Parks não se preocupa tanto quanto Mayle em segredar dicas de "connoisseur". Aqui e ali, fala do autêntico "cappuccino" ou do fabrico de um "prosecco" caseiro, mas essas informações são o tempero de sua pastoral italiana. O autor se preocupa mais em descrever os costumes e as idiossincrasias de seus novos vizinhos.
Os quais, aliás, escondem-se num lugarejo perdido no vale do Pó. Quem quiser procurar no mapa terá dificuldade em localizar a aldeia de Montecchio, onde Parks escolheu residir com a mulher Rita. Fica no sopé dos primeiros morros de onde começa a subida para os Alpes. A formação montanhosa impede a entrada dos ventos, o que resulta num calor abafado, chamado de "afa" pelos nativos. Some-se a esse incômodo atmosférico o barulho das motonetas dos adolescentes, os uivos de um pobre cão acorrentado, o zumbido dos mosquitos gordos, e temos uma boa idéia do que encontrou o casal ao instalar-se no apartamento três, da Via Colombare, número dez.
Há mais, porém: a mobília fúnebre e os bricabraques empoeirados dos antigos moradores, além de uma vizinha colérica, que os recepciona aos gritos. Os tipos fellinianos abundam: o padre que joga no lixo as encíclicas assim que as recebe, o quitandeiro boa-pinta que dá aulas de caratê, o padeiro que amealhou uma fortuna sonegando impostos. A xenofobia e o racismo grassam nessa comunidade conservadora, que vota em peso no partido Democrata-Cristão. E não devemos esquecer a burocracia kafkiana e o que talvez seja a irmã de criação dela, a corrupção deslavada.
Longe de ser rabugento, o relato de Parks é sutil, irônico e, sobretudo, cioso da descrição concreta. O autor faz questão de que nos habituemos com cada particularidade da sociedade provinciana - preconceituosa, por certo, mas igualmente fraterna, anárquica e luminosa. No posfácio, diz: "Espero que, por alguns momentos, o leitor tenha se sentido em casa".
O autor também se refere a "Middlemarch", romance de George Eliot. A filiação dos livros de viagem a essa literatura realista, pré-modernista, constitui um apelo a leitores que querem distância de complicações linguísticas ou narrativas. A leitores que se aprazem a uma história bem contada com personagens robustos, detalhes pitorescos e situações semelhantes à vida, que melhor achado do que essa crônica de uma Itália rústica, vista pelos olhos de um estrangeiro?


Meus Vizinhos Italianos: Histórias de um Inglês na Itália
   
Autor: Tim Parks
Tradução: Carlos Mendes Rosa
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 39 (320 págs.)



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