São Paulo, sábado, 07 de julho de 2001

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"ONDA DE CRIMES"

Escritor é obcecado pela morte da mãe e pela Los Angeles dos anos 50, temas quase exclusivos de sua obra

Ficção polici al de James Ellroy gira em círculos

BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

James Ellroy é um autor obcecado por um acontecimento -o assassinato de sua mãe- e por Los Angeles na década de 50, a ponto de transformar a tematização do crime, a reconstrução ficcional da cidade e o período em que viveu quando criança em suas matérias-primas quase exclusivas. Ele não é o primeiro nem será o último escritor a utilizar suas obsessões pessoais como combustível, mas, em seu caso, o que já foi um estímulo feroz para produzir parece ter se tornado material para um festival de reiterações estéreis.
Talvez porque ele tenha virado aquela espécie de (anti)celebridade moderna -áspera e avessa à publicidade depois que seu romance "L.A. Confidential" tornou-se filme de Curtis Hanson ("Los Angeles - Cidade Proibida"). Coincidência ou não, "Onda de Crimes", a coletânea de textos escritos para a revista norte-americana "GQ" e que a Record está lançando, é dedicada ao diretor. Ou talvez porque, de alguma forma, a "missão" que escritores policiais parecem tomar para si desde que inventaram o "noir", a de denunciadores cínicos do mal do mundo, esteja esgotada.
Sério mesmo: o mal do mundo contemporâneo superou há muito a metáfora do policial, seja ela constituída de bons contra maus ou de maus contra piores ou de bons que precisam fingir-se de maus para combater os piores. Qualquer que seja o estilo de policial, a suposição básica é de que há alguma ordem perturbada e cabe a alguém restaurá-la.
Mesmo que Ellroy turbine sua narrativa com uma espécie de violência escatológica, parte deste mesmo lugar moralista. A LA de 1950 -com suas tramas macabras, policiais corruptos, celebridades e anônimos devassos- de Ellroy acaba por parecer uma espécie de parque temático do mal, onde tudo faz sentido e tudo está arrumado para que o sentido único pretendido pelo autor se imponha ao leitor. É como se para demonstrar a existência do mal, ele precisasse aparecer absoluto, organizado nos mínimos detalhes, impelido por motivações que resultam artificiais.
Quando ele tem uma boa história nas mãos, como em "Los Angeles - Cidade Proibida" ou "Dália Negra", até que funciona. Mas em "Onda de Crimes", os personagens e situações recicladas evidenciam o esgotamento do mecanismo. Em "Hush-Hush" e "Tijuana, Mon Amour", ele retoma Danny Getchell, o editor homófobo e chantagista do tablóide "Hush-Hush" que aparece em "Los Angeles" para duas histórias repetitivas, de estruturas muito parecidas (cara tenta sacanear e acaba sacaneado), e de um excesso aliterativo de dar nos nervos.
O bloco sobre o acordeonista desertor Dick Contino, além de trazer "Do Passado" com texto quase igual ao que está em "Noturnos de Hollywood" (Record, 99), reprisa em "Arrocho em Hollywood" o conto "O Blues de Dick Contino", também já publicado na mesma coletânea. Se a ficção parece girar em círculos, os ensaios e artigos memorialísticos, incluídos na compilação, podem apontar novos caminhos. "Desova de Corpos", "O Apetite do Crime" e "Let's Twist Again" denotam uma certa perplexidade com o mundo real que faria bem ser recuperada na ficção.
A agudeza de "Sexo, Poder e Cobiça: A Sedução de O.J. Simpson" sugere que o reacionarismo white trash que Ellroy cultiva nas bordas de seus romances entrou em choque com a complexidade da L.A. pós-Rodney King. É esperar para ver como ele se sai em "The Cold Six Thousand", continuação de "Tablóide". Por enquanto, Ellroy parece ter sucumbido ao seu próprio truque.

Onda de Crimes
Crime Wave
  
Autor: James Ellroy
Tradução: Alves Calado
Lançamento: Record
Quanto: R$ 38 (378 págs.)



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