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LIVROS/LANÇAMENTO
"ONDA DE CRIMES"
Escritor é obcecado pela morte da mãe e pela Los Angeles dos anos 50, temas quase exclusivos de sua obra
Ficção polici al de James Ellroy gira em círculos
BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
James Ellroy é um autor obcecado por um acontecimento
-o assassinato de sua mãe- e
por Los Angeles na década de 50,
a ponto de transformar a tematização do crime, a reconstrução
ficcional da cidade e o período em
que viveu quando criança em
suas matérias-primas quase exclusivas. Ele não é o primeiro nem
será o último escritor a utilizar
suas obsessões pessoais como
combustível, mas, em seu caso, o
que já foi um estímulo feroz para
produzir parece ter se tornado
material para um festival de reiterações estéreis.
Talvez porque ele tenha virado
aquela espécie de (anti)celebridade moderna -áspera e avessa à
publicidade depois que seu romance "L.A. Confidential" tornou-se filme de Curtis Hanson
("Los Angeles - Cidade Proibida"). Coincidência ou não, "Onda
de Crimes", a coletânea de textos
escritos para a revista norte-americana "GQ" e que a Record está
lançando, é dedicada ao diretor.
Ou talvez porque, de alguma forma, a "missão" que escritores policiais parecem tomar para si desde que inventaram o "noir", a de
denunciadores cínicos do mal do
mundo, esteja esgotada.
Sério mesmo: o mal do mundo
contemporâneo superou há muito a metáfora do policial, seja ela
constituída de bons contra maus
ou de maus contra piores ou de
bons que precisam fingir-se de
maus para combater os piores.
Qualquer que seja o estilo de policial, a suposição básica é de que há
alguma ordem perturbada e cabe
a alguém restaurá-la.
Mesmo que Ellroy turbine sua
narrativa com uma espécie de
violência escatológica, parte deste
mesmo lugar moralista. A LA de
1950 -com suas tramas macabras, policiais corruptos, celebridades e anônimos devassos- de
Ellroy acaba por parecer uma espécie de parque temático do mal,
onde tudo faz sentido e tudo está
arrumado para que o sentido único pretendido pelo autor se imponha ao leitor. É como se para demonstrar a existência do mal, ele
precisasse aparecer absoluto, organizado nos mínimos detalhes,
impelido por motivações que resultam artificiais.
Quando ele tem uma boa história nas mãos, como em "Los Angeles - Cidade Proibida" ou "Dália
Negra", até que funciona. Mas em
"Onda de Crimes", os personagens e situações recicladas evidenciam o esgotamento do mecanismo. Em "Hush-Hush" e "Tijuana, Mon Amour", ele retoma
Danny Getchell, o editor homófobo e chantagista do tablóide
"Hush-Hush" que aparece em
"Los Angeles" para duas histórias
repetitivas, de estruturas muito
parecidas (cara tenta sacanear e
acaba sacaneado), e de um excesso aliterativo de dar nos nervos.
O bloco sobre o acordeonista
desertor Dick Contino, além de
trazer "Do Passado" com texto
quase igual ao que está em "Noturnos de Hollywood" (Record,
99), reprisa em "Arrocho em
Hollywood" o conto "O Blues de
Dick Contino", também já publicado na mesma coletânea. Se a ficção parece girar em círculos, os
ensaios e artigos memorialísticos,
incluídos na compilação, podem
apontar novos caminhos. "Desova de Corpos", "O Apetite do Crime" e "Let's Twist Again" denotam uma certa perplexidade com
o mundo real que faria bem ser
recuperada na ficção.
A agudeza de "Sexo, Poder e
Cobiça: A Sedução de O.J. Simpson" sugere que o reacionarismo
white trash que Ellroy cultiva nas
bordas de seus romances entrou
em choque com a complexidade
da L.A. pós-Rodney King. É esperar para ver como ele se sai em
"The Cold Six Thousand", continuação de "Tablóide". Por enquanto, Ellroy parece ter sucumbido ao seu próprio truque.
Onda de Crimes
Crime Wave
Autor: James Ellroy
Tradução: Alves Calado
Lançamento: Record
Quanto: R$ 38 (378 págs.)
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