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CINEMA
Registros de Jan Harlan, amigo íntimo do cineasta, serão exibidos no canal pago HBO nos dias 8, 15 e 22 de julho
"Uma Vida Quadro a Quadro" disseca Kubrick
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"A "hora mágica" é aquele
momento maravilhoso do
dia em que todo mundo está
exausto e a luz está perfeita", diz o
diretor de fotografia Douglas Milsome a certa altura do documentário "Stanley Kubrick - Uma Vida Quadro a Quadro".
Exatamente nessa hora fugaz,
acrescenta Milsome, Kubrick
(1928-99) exigia que fossem rodadas as complexas cenas de batalha
de "Nascido para Matar" (1987),
seu penúltimo filme.
Em outro depoimento eloquente, a atriz Shelley Duvall afirma
que o cineasta, em geral uma pessoa amável, "podia fazer algumas
coisas muito cruéis". Em seguida,
um flagrante de filmagem de "O
Iluminado" mostra Kubrick perdendo a paciência com a atriz,
que, pela enésima vez, não conseguia fazer o que ele queria.
O proverbial perfeccionismo de
Kubrick, ilustrado por episódios
como esses, é um dos eixos temáticos de "Stanley Kubrick - Uma
Vida Quadro a Quadro".
Realizado por Jan Harlan, amigo íntimo do cineasta e uma espécie de curador informal de sua
obra, o documentário é narrado
por Tom Cruise e divide-se em
três partes de 50 minutos cada,
que o canal por assinatura HBO
começa a exibir amanhã.
Uma das virtudes do trabalho
de Harlan é tratar o aspecto obsessivo da personalidade de Kubrick não como uma esquisitice,
mas como um componente essencial de seu método criativo. Ou
seja, o documentário não está interessado na "loucura" de Kubrick, mas na sua genialidade.
Talento dissecado
O talento artístico do cineasta é
evidenciado no documentário em
várias frentes. Depoimentos de
colaboradores esmiúçam os métodos inventivos do diretor. Cineastas peso pesado (Martin
Scorsese, Woody Allen, Steven
Spielberg) falam do caráter único
de seu cinema.
Por fim, trechos bem escolhidos
dos principais filmes de Kubrick
não deixam dúvidas sobre sua
grandeza.
Como se trata também de um
retrato afetivo, há belos depoimentos de parentes (irmã, viúva,
filhas) e preciosos filmes domésticos, em que Kubrick, ainda menino, está dançando e tocando piano com a irmã ou, já adulto, ouve
as filhas acusarem-no de tirano.
Para quem gosta de cinema e se
interessa pelos meandros de seu
artesanato, o documentário é um
pequeno banquete.
Um assunto abordado em detalhe, por exemplo, é a célebre iluminação à vela de "Barry
Lyndon", para a qual Kubrick recorreu a antigas câmeras Mitchell
BNC adaptadas para usar lentes
Zeiss empregadas pela Nasa nas
fotografias de satélite.
Outro ponto alto, nesse aspecto,
é o breve "making of" das famosas cenas do menino andando de
triciclo pelos corredores do hotel
de "O Iluminado". "Kubrick praticamente inventou a "steadycam"
ali", diz um entusiasmado Martin
Scorsese.
Recepção equivocada
O documentário pode ser visto
também pelo viés da dificuldade
de Kubrick em ser entendido por
seus contemporâneos.
A recepção a "2001 - Uma Odisséia no Espaço", por exemplo, foi
catastrófica. Algumas frases de
jornais mostradas no documentário: "O maior filme amador já feito", "Um filme monumentalmente sem imaginação", "Provavelmente a trama mais redundante
de todos os tempos".
O próprio Woody Allen confessa que só percebeu alguma coisa
em "2001" a partir da terceira visão. "Tive de admitir que a cabeça
dele estava muito à frente da minha", diz, humildemente.
Mais grave foi o caso de "Laranja Mecânica". A imprensa (sobretudo a britânica) passou a associar ao filme todos os crimes cometidos por jovens, e a pressão foi
tamanha que o próprio Kubrick
resolveu tirá-lo de cartaz, no auge
do sucesso, numa decisão inédita
na história do cinema.
Uma falha do documentário é
não esclarecer se o cineasta retirou o filme por causa das ameaças
que estava sofrendo ou por temer
que, de fato, ele estivesse alimentando a violência.
Projetos frustrados
Outro assunto interessantíssimo abordado apenas de passagem são os projetos abortados de
Kubrick: um filme sobre Napoleão e "Aryan Papers", inspirado
no livro "Infância de Mentiras",
de Louis Begley.
Do primeiro, o diretor desistiu
quando o russo Sergei Bondarchuk lançou seu "Waterloo"
(1971), estrelado por Rod Steiger.
Já "Aryan Papers" foi abandonado por causa de "A Lista de Schindler" (1993), de Spielberg, cujo tema era semelhante.
Curiosamente, foi a Spielberg
que o cineasta acabou confiando
seu último projeto, "Inteligência
Artificial", para o qual já havia feito complexos "storyboards".
No documentário, o diretor de
"Indiana Jones" diz que Kubrick
lhe propôs a direção do filme com
a seguinte justificativa: "Ele tem
mais a ver com a sua sensibilidade
do que com a minha". Era o que
temíamos.
Stanley Kubrick - Uma Vida
Quadro a Quadro
Stanley Kubrick - A Life in Pictures
Direção: Jan Harlan
Produção: EUA/Inglaterra
Quando: dias 8, 15 e 22 de julho, às 22h,
no canal pago HBO
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